Um estudo de caso sobre o processo de adaptação de linguagem e roteiro da HQ Os 300 de Esparta para o filme 300. Por Ricardo de França Morgan (Belo Horizonte - 2008).
Monografia
apresentada ao curso de Comunicação Social, do Departamento de Ciências da
Comunicação (DCC) do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), como
requisito parcial para obtenção de título de bacharel em Jornalismo. Orientador:
Maurício Guilherme Silva Júnior
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Desde seu surgimento, no final do século 19, o cinema utiliza-se de
livros, contos, crônicas e histórias em quadrinho como base e fonte para
projetos de filmes de longa e curta metragem. Ao longo das décadas, os espectadores
acostumaram-se a assistir, nas telas dos cinemas, a muitos personagens
imortalizados por inúmeros escritores. Contudo, por possuir linguagem bastante
diferenciada, o cinema, na maioria das vezes, não se revela completamente fiel
à obra literária. Afinal, os filmes sofrem modificações, inserções de novos
elementos, precisam lidar com questões orçamentárias e possuem limitação de
tempo para contar uma história. Neste ponto, é necessário distinguir os elementos
utilizados em cada uma das mídias. O roteirista deve ter liberdade criativa,
pois nem tudo que está no livro pode ou deve tornar-se elemento a ser
transposto para o cinema.
O longa-metragem 300, lançado
em 2007 e dirigido por Zack Snyder, é uma adaptação cinematográfica da história
em quadrinhos Os 300 de Esparta (1998), de Frank Miller. Ao comparar cenas do filme
com os desenhos do livro, há sequências que seguem à risca o roteiro da HQ, incluindo
os mesmos diálogos, outras feitas de forma completamente distinta. No filme, por
exemplo, há uma história paralela que não aparece no livro. Neste ponto, é
importante dizer que a adaptação – ou transposição – caracteriza-se pela
necessidade de liberdade criativa do roteirista, que, em certo momentos, criará
cenas exclusivas, capazes de ajudar no desenvolvimento da narrativa do longa-metragem.
Em qualquer situação de adaptação, segundo Linda Seger (2007), o processo adaptativo
implica a adequação de uma série de parâmetros, sem que a ideia proposta pela obra
adaptada seja afetada.
Este trabalho busca analisar a transposição de linguagens, da História em
Quadrinhos (HQ) para o cinema, por meio de método qualitativo, e com base em referências
bibliográficas que abordem as teorias dos quadrinhos, do cinema e da indústria
cultural. As fases de desenvolvimento da pesquisa envolvem análise descritiva
sobre os objetos empíricos, com a finalidade de mostrar novas perspectivas e
interpretações sobre o estudo de transposição de linguagens, com base,
justamente, na adaptação da HQ Os 300 de
Esparta para o filme 300.
No capítulo 2, o estudo aborda a relação entre a arte e a indústria
cultural. Neste momento, há, ainda, um levantamento teórico sobre a história e
a linguagem das Histórias em Quadrinhos. Para tal, foram utilizados autores
como Jorge Coli (1995), Adorno &
Horkheimer (1947) ou Teixeira Coelho (1980), que discutem o conceito de arte, de
indústria cultural e cultura de massa. Ao longo do trabalho, há referências a
diversos autores especializados em história em quadrinhos, como Will Eisner
(2001), que trata dos quadrinhos como arte sequencial; Scott McCloud (2005),
que examina a forma artística e a funcionalidade dos quadrinhos e define a
forma como a mente humana processa tal linguagem e Wellington Srbek (2006), que
trata da história dos quadrinhos e de seu papel na cultura de massa.
Já no terceiro capítulo, o leitor encontrará discussão acerca das especificidades
do cinema, assim como um estudo sobre adaptação e adequações de parâmetros para
transposição de linguagens artísticas. Para a análise do cinema, foram
utilizados os autores Linda Seger (2007), que explica o processo de adaptação
de um livro para o cinema; Jean-Claude Carrière (2006), que analisa o
desenvolvimento da linguagem do cinema, a importância do roteiro e discute o
vocabulário do cinema; e os autores Tânia Pellegrini (2003), Ismail Xavier (2003)
e Flávio Aguiar (2003), que, em artigos publicados no livro Literatura, cinema e televisão, discutem
a adaptação, a linguagem e a narrativa do cinema.
No quarto e último capítulo, realizamos a análise da adaptação de Os 300 de Esparta (1998), de Frank Miller, para o filme 300, de Zack Znyder. Além de breve descrição sobre o conflito
histórico em que se baseia a HQ e, consequentemente, o longa-metragem, desenvolvemos
estudo comparativo sobre as linguagens utilizadas no quadrinho e no filme.
1.
HISTÓRIA EM QUADRINHOS (HQ)
É difícil conceituar a palavra arte, pois suas definições alcançam conclusões
diferentes e, muitas vezes, contraditórias. No entanto, não é preciso
compreender os conceitos de arte para reconhecermos a obra artística. A cultura
encarrega-se, através de complexos processos, de definir o que se caracteriza e
o que não se caracteriza como arte. Jorge Coli, no livro O que é arte (1995), define
que a palavra cultura é empregada
não no sentido de um aprimoramento individual do
espírito, mas do “conjunto complexo dos padrões de comportamento, das crenças,
instituições e outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente
e característicos de uma sociedade”, para darmos palavra ao Novo Aurélio.
(COLI, 1995, p.8).
O conceito de arte aproxima-se da cultura, e é por meio da cultura que
observamos comportamentos e atribuímos valoração à arte. O que define arte e
objeto artístico são os discursos dos profissionais gabaritados a falar sobre o
assunto, como, por exemplo, os críticos especializados, que rotulam
determinados objetos como “arte”. “O crítico pode afirmar que, segundo
critérios (que podem ser explícitos ou não), tal obra é mais bem realizada, ou
mais rica, ou mais profunda que a outra” (COLI, 1995, p.14). Segundo Coli
(1995), este profissional analisa as obras e sua atividade é eminentemente seletiva.
De
certo modo, é o juiz que valoriza ou desvaloriza o objeto artístico. É claro
que o conhecimento da história das diferentes produções artísticas serve-lhe
para a elaboração de seus critérios. Um crítico de cinema frequentemente
conhece os filmes do passado, o que lhe permite um jogo de comparações,
intuitivas ou explícitas, capaz de o levar a condenar este ou aquele filme.
(COLI, 1995, p.36).
Com o processo de produção dominado pela indústria cultural, as relações
sociais e o sistema capitalista passaram a fabricar produtos de cunho cultural
e artístico, como o cinema, as histórias em quadrinhos, entre outros, para
serem consumidos de forma massificada.
A cultura contemporânea confere a tudo um ar de
semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é
coerente em si mesmo e todos o são em conjunto (...); a técnica da indústria
cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que
fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social. (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p.113-114).
Adorno e Horkheimer (1985), citados por Srbek (2005), revelam a
necessidade de criticarmos os produtos culturais, “que nos chegam através dos
meios de comunicação de massa (tevê, rádio, imprensa etc), pois a apropriação
desatenta das mercadorias culturais só tende a colaborar para a perpetuação de
estereótipos culturais e da ordem social estabelecida” (SRBEK, 2005, p.52).
No interior do sistema engendrado pela indústria cultural, coexistem as
culturas média, ou a midcult, e a masscult. Dwight McDonald, citado por
Teixeira Coelho, diz que midcult é um
produto sofisticado, voltado para o perfil “novo rico”, e que se encaixa em
coisas triviais do cotidiano, como livros de linguagem fácil, letras de música
de escolas de samba, quadros vendidos nas ruas e, ainda, arquiteturas
consagradas e copiadas por outros. Mas não é fácil classificar a masscult, composta de produtos voltados
ao consumo popular. Afinal, nem todas as obras são exibidas pelos veículos de
massa, como a TV e o rádio.
Nas décadas de 1920 e 1930, as Histórias em Quadrinhos (HQs) foram
classificadas por McDonald como um produto da masscult. “Hoje esse conceito não é tão pacífico assim, em relação
a toda e qualquer história em quadrinhos” (COELHO, 1980, p.15-16).
A cultura popular e a cultura de massa revelam-se mais complementares. A
cultura popular é “a soma dos valores tradicionais de um povo, expresso em
forma artística, como dança e objetos, ou nas crendices e costumes gerais”
(COELHO, 1980, p.21). A cultura de massa prioriza o entretenimento dos produtos
da indústria cultural, o que faz camuflar acontecimentos de relevância e as
“feridas” do mundo moderno. Isso se dá pelo desenvolvimento tecnológico, que
busca benefícios ao homem, como o aprendizado e o conforto ou bem-estar. “A
cultura de massa não ocupa o lugar da cultura superior ou da popular, apenas
cria para si uma terceira faixa que complementa e vitaliza os processos das
culturas tradicionais” (COELHO,
1980, p.27).
Alguns desses produtos são as histórias em quadrinhos e o cinema, que
representam, hoje, meios de comunicação de grande penetração. Segundo
Wellington Srbek (2005), os quadrinhos existem enquanto produtos da
Modernidade, enquanto veículos de socialização de idéias e imagens. Ao citar o
filósofo alemão Walter Benjamin, atribui aos quadrinhos o status de arte da era da reprodutibilidade técnica. “Não conhecemos
arte fora do mundo material, porém, sem dúvida existe materialidade estranha à
arte, mesmo em se tratando de objetos ou ações realizados através de linguagens
artísticas” (SRBEK, 2005, p.30). Srbek diz, ainda, que nem toda pintura é arte
e nem toda música tem qualidade artística. Além disso, seria indispensável
afirmar que arte não é apenas técnica; por si só, esta é insuficiente
para originar uma obra de valor artístico. Sendo assim, a maioria
das histórias em quadrinhos, e boa parte das produções cinematográficas, também
são meros produtos voltados para o consumo imediato, o que faz do consumo a
principal característica da indústria cultural.
A origem das histórias em quadrinhos é
polêmica. Scott McCloud afirma, em seu livro Desvendando os Quadrinhos (2005)[2],
que, no passado pré-histórico, maneira
semelhante de contar histórias, quadro a quadro, está representada nos
hieróglifos egípcios e nas pinturas rupestres.
Isso é fácil de entender quando se tem em mente que o
homem das cavernas, antes de transformar seus grunhidos em palavras
inteligíveis, transformou a parede das cavernas em um grande mural no qual
registrava elementos de comunicação para seus contemporâneos. O relato de uma
caçada bem sucedida, a informação de que naquela região específica era possível
encontrar animais selvagens, a indicação de seu paradeiro etc. (...) Quando o
homem das cavernas gravava duas imagens, uma dele sozinho e outra incluindo um
animal abatido, estava na realidade se vangloriando por uma caçada vitoriosa.
Era, talvez, a primeira história contada por uma sucessão de imagens.
(VERGUEIRO, 1998, p.120).
Entretanto, esses tais hieróglifos e as pinturas
rupestres não são considerados quadrinhos, mas uma ascendência da palavra
escrita. Wellington Srbek (2005) discorda de McCloud,
e afirma que o modo de o homem utilizar as seqüências de imagens para contar
histórias de seu cotidiano não significa que os desenhos produzidos pelas
gerações passadas sejam histórias em quadrinhos. “A origem está ligada ao
aperfeiçoamento das técnicas de impressão e ao estabelecimento da sociedade
burguesa” (SRBEK, 2005, p.12).
Mesmo refletindo-se na história em quadrinhos como um
todo e sendo índice da integração interna na obra, a composição visual de uma
página tende a realizar-se a partir de cada um de seus quadros. Esta é uma
diferença fundamental entre a estética dos quadrinhos e a da pintura, pois
nesta a composição do campo visual apresenta-se como um todo não-segmentado
(formas, cores e luminosidade são dispostas tendo como referência o espaço total
da tela), enquanto nos quadrinhos a composição das imagens, embora se reflita
no todo resultante, faz-se particularizadamente (em geral desenha-se e
colore-se um quadro de cada vez). (SRBEK, 2005, p.38).
O primeiro
passo para o surgimento dos quadrinhos foram as obras literárias ilustradas. O
desenhista suíço Rodolphe Töpffer é considerado o provável criador das HQs.
Seus trabalhos caracterizavam-se por imagens satíricas, com história,
caricaturas e a relação interdependente entre palavras e figuras. Na década de
1820, Töpffer lançou Amours de Monsieur
Vieux-bois, em que os desenhos da obra servem de narrativa da história. Os
textos, apresentados na forma de legendas, dialogam com o desenho e compõem,
artisticamente, a narrativa da história. À época, a técnica foi considerada uma
nova forma narrativa e um revolucionária método de expressão.
É difícil
descobrir em que local do mundo, exatamente, nasceram as histórias em
quadrinhos, pois muitos países defendem seus autores e se dizem os verdadeiros
inventores desta linguagem. “A Alemanha deu origem a Wilhelm Busch. (...) Na
Suíça brilhou a estrela de Rudolph Töpfer. (...) Já os ingleses afirmam que os
quadrinhos surgiram em seus periódicos humorísticos” (VERGUEIRO, 1998,
p.124-125).
Em síntese, é possível dizer que aquela nova forma de
expressão, que começa a se espalhar por todo o mundo, seria definida como arte
seqüencial. Segundo McCloud
(2005), é o mestre Will Eisner[3] quem
usará tal termo para descrever a criação das histórias em quadrinhos.
A
arte seqüencial, especialmente nas histórias em quadrinhos, é uma habilidade
estudada, que pode ser aprendida, que se baseia no emprego imaginativo do
conhecimento da ciência e da linguagem, assim como da habilidade de retratar ou
caricaturar e de manejar as ferramentas do desenho. (EISNER, 2001, p.144).
O conceito de “arte
seqüencial”, criado por Eisner, é chamado, por Srbek (2005), de “quadrinho-arte”,
por tratar-se de obra que apresenta qualidade artística e valor cultural. Srbek
afirma que, hoje, a idéia de quadrinhos como forma de arte já é aceita nos
meios acadêmicos, ainda que existam pessoas que rejeitem esta opinião. “Tal mudança
não se deu apenas porque os quadrinhos passaram por transformações, mas também
porque a própria concepção de ‘arte’ foi revista, transformada e até negada
inúmeras vezes nos últimos cem anos”. (SRBEK, 2005, p.50).
Will
Eisner, no livro Quadrinhos e arte
seqüencial (2001), divide as aplicações da arte seqüencial em “instrução” e
“entretenimento”. A “instrução” aparece em manuais e story boards, usados para vender ou instruir. Já as revistas de
quadrinhos e as novelas marcam-se pela diversão e pelo entretenimento.
Para que houvesse disseminação das HQs, contudo, “há um evento que é tão
marcante na história dos quadrinhos quanto na história da palavra escrita. A
‘invenção’ da imprensa” (McCloud, 2005, p.15). No
início da imprensa, a expressão “história em quadrinhos” não contava com boa
“imagem” entre os profissionais, que, devido a essa conotação negativa,
preferiram “ser conhecidos como ‘ilustradores’, ‘artistas comerciais’ ou, na
melhor das hipóteses, ‘cartunistas” (McCLOUD, 2005, p.18).
O sucesso dos quadrinhos pela imprensa dá-se
por meio das páginas de jornal, com tirinhas que continham histórias em quadrinhos. A
veiculação dessas tirinhas “motivou editores e desenhistas a investirem em
publicações periódicas de grande tiragem, desvinculadas dos jornais e
exclusivamente dedicadas aos quadrinhos e a experimentarem novos estilos e
temáticas” (SRBEK, 2005, p.26).
Esses novos estilos procurariam fugir do gênero cômico, predominante à
época. Vem daí a expressão “comics”
para as histórias em quadrinhos, publicações, em sua maioria, de conteúdo
humorístico.
Veiculados como tirinhas de jornal, suplementos
ilustrados ou revistas, os quadrinhos foram uma das manifestações culturais
mais influentes da primeira metade do século XX. E mesmo desenvolvendo-se na “indústria
cultural”, a linguagem dos quadrinhos deu origem a obras de gênio, como Little
Nemo de Winsor McCay ou Krazy Kat de George Herriman, que já no início do
século XX colocavam em evidência as possibilidades expressivas dessa forma de
arte da “era da reprodutividade técnica”. (SRBEK, 2006, p.30).
Assim como o cinema e a fotografia, as HQs
tornam-se mais populares devido à comunicação de massa e se afirmam como
produto da modernidade, com a finalidade de alcançar apreciadores. Foi
justamente após a criação da imprensa, em meados do século XIX, que se
considerou Rodolphe Töpffer “o pai dos quadrinhos modernos”.
Com a propagação da imprensa em todo o mundo, a nova técnica narrativa de
contar histórias foi utilizada por diversos autores e alcançou crianças e
pessoas alfabetizadas. Mesmo com o boom da indústria editorial
norte-americana, no início do século XX, “as revistas demorariam ainda alguns
anos para aparecer e atingir o gosto do público, podendo-se dizer que elas só
se firmam durante a década de 30, com o aparecimento dos super-heróis”
(VERGUEIRO, 1998, p.128).
As características que hoje marcam os
quadrinhos surgem em 1895, quando o artista Richard Outcault publica, pela
primeira vez, o Yellow Kid, ou Menino Amarelo. O personagem era
coadjuvante de uma ilustração do jornal norte-americano New York World, voltado às camadas mais pobres. Outcault inseriu
os textos
dentro da imagem, enriquecendo os efeitos de diálogo e dando mais vida aos
personagens. O camisolão do Menino
Amarelo, por exemplo, quase sempre trazia uma mensagem escrita. Já o uso do
balão de fala, uma das suas experiências, foi um recurso que se tornou a marca
registrada do gênero quadrinístico. (FEIJÓ, 1997, p.18).
O que chamou a atenção desta publicação, à
época, foi a narrativa dividida em diversos quadros e a inserção dos balões de
diálogo, o que se torna uma das principais características das HQs.
No livro Desvendando os quadrinhos,
Scott McCloud (2005) diz que as histórias em quadrinhos são uma forma de
comunicação moderna, ou uma “linha de montagem” com reprodução em série de
desenhos e diálogos (textos escritos em forma de legendas, balões e
onomatopéias), que formam uma seqüência narrativa quadro a quadro.
Os quadrinhos são uma forma de “narrativa da
modernidade”. Surgido no século XIX, sua existência material se fundamenta numa
“reprodutividade técnica”. Feitos para serem difundidos socialmente, têm um
caráter político, como arte, produção e recepção. Por estes elementos, os
quadrinhos tiveram grande importância cultural ao longo do século XX. (SRBEK,
2006, p.45).
O que se tem discutido muito, em relação às histórias em quadrinhos é a
seguinte questão: As HQs caracterizavam-se como um meio de distração ou como instrumento
educativo? “Nos anos 50, os quadrinhos não eram aceitos no meio escolar;
acreditava-se que, além da famosa ‘preguiça mental’, eles podiam causar danos
irreparáveis à formação moral das crianças” (SRBEK, 2006, p.13). No livro Quadrinhos & outros bichos, de Wellington
Srbek (2006), há um relato, coletado de entrevista concedida ao autor, do
estudioso de quadrinhos Álvaro de Moya. No depoimento, Moya diz que, na década
de 1950, as escolas no Brasil queimavam as revistas em fogueiras, na hora do
recreio. À época, as “autoridades do ensino” achavam que os quadrinhos deixavam
a criança preguiçosa e, conseqüentemente, tiravam delas a vontade de ler outros
livros “mais importantes”. Em outras palavras, os quadrinhos seriam a causa da
distração dos alunos. “O problema é que restringir é subestimar os quadrinhos,
é não compreender o que eles podem representar em termos de desenvolvimento da
percepção e cognição” (SRBEK, 2006, p.16).
Também na década de 1950, os quadrinhos foram submetidos a uma série de
medidas. Houve queima de exemplares em praças e escolas no Brasil e, até mesmo,
a formatação de um código de ética, produzido por editores, para sua
publicação. “Segundo esse código, as histórias em quadrinhos deveriam evitar
tratar de temas que pudessem prejudicar moralmente os leitores, como histórias
relacionadas com sexo, crimes violentos, cenas horripilantes etc” (VERGUEIRO,
1998, p.131).
Waldomiro Vergueiro, no livro Formas
e expressões de conhecimento (1998), diz que a sociedade brasileira, na
década de 1950, tomou medidas drásticas para afastar crianças e adolescentes
das HQs. Como os quadrinhos apresentavam-se através de desenhos e não como
linguagem verbal, “um dos motivos pelos quais eles sempre tiveram ligação com
as crianças” (SRBEK, 2005, p.21), essa forma de comunicação significou – e
ainda o faz – os primeiros contatos de muitas crianças com o universo da
leitura.
Nesse sentido, a publicação do livro The seduction of the innocents, de
autoria de um psiquiatra norte-americano, o Dr. Frederic Wertham, como ápice de
uma campanha contra os quadrinhos que envolveu também organizações religiosas e
educacionais, veio, de uma certa forma, institucionalizar a colocação de
entraves para a aceitação deste meio de comunicação. (VERGUEIRO, 1998, p.131).
Com o passar dos anos, os quadrinhos iniciavam o processo de
“didatização”, principalmente nas escolas. “Fica evidente que a apropriação dos
quadrinhos pela escola deve ser crítica e seletiva, pois nem toda e qualquer
história em quadrinhos contribui para a formação de uma pessoa” (SRBEK, 2006,
p.15). A “didatização” deu-se quando as histórias em quadrinhos foram
incorporadas pelos livros didáticos com a finalidade de “distrair” o aluno,
enquanto o conteúdo de certas matérias eram passadas em balões e quadros.
Thierry Groensteen, no livro História em quadrinhos: essa desconhecida arte popular (2004),
afirma que as HQs surgem, aos olhos de certos pedagogos, como o último recurso
contra o analfabetismo. Groensteen (2004) diz que muitos adultos, que não
tiveram contato com revistas ilustradas na infância, se “declaram incapazes de
compreender e se interessar pelas histórias em quadrinhos porque não sabem como
lê-las (‘deve-se começar pelo texto ou pelos desenhos’?)” (GROENSTEEN, 2004,
p.40).
Quando se analisa uma obra de histórias em
quadrinho, “a disposição dos seus elementos específicos assume a característica
de uma linguagem” (EISNER, 2001, p.7). Os quadrinhos inter-relacionam imagem e
texto, ou apenas a imagem. “Imagens são informações recebidas. Ninguém precisa
de educação formal para ‘entender a mensagem’. A escrita é informação
percebida. É preciso conhecimento especializado pra decodificar os símbolos
abstratos da linguagem” (McCloud, 2005, p.49).
Por isso, é necessário que o leitor saiba interpretar, visual e verbalmente, a
obra.
Os quadrinhos empregam uma série de
imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis. Quando são usados vezes e vezes
para expressar idéias similares, tornam-se uma linguagem – uma forma literária,
se quiserem. E é essa aplicação disciplinada que cria a “gramática” da Arte
Seqüencial. (EISNER, 2001, p.7).
O ser humano percebe o mundo por meio de experiências dos sentidos, que,
conseqüentemente, “podem revelar um mundo fragmentado e incompleto. Mesmo uma
pessoa muito viajada só pode ver partes do mundo durante uma existência. Nossa
percepção da ‘realidade’ é um ato de fé baseado em meros fragmentos” (McCloud,
2005, p.62). McCloud (2005) diz, ainda, que observar partes e perceber o todo é
o fenômeno chamado de “conclusão”. A toda hora, o homem realiza conclusões,
tendo como base suas experiências anteriores.
Na linguagem das HQs, os quadros conectam as histórias fragmentadas pelo
tempo e pelo espaço, permitindo a conclusão numa realidade unificada. Nesse
sentido, a definição de quadrinhos é a conclusão baseada na disposição de
vários elementos dentro do quadro. “Se a iconografia visual é o vocabulário das
histórias em quadrinhos, a conclusão é a sua gramática” (McCloud, 2005, p.67).
A intimidade criada pela conclusão nas HQs é feita por meio da palavra escrita
e da habilidade artística do criador. O som também faz parte da conclusão e é
representado por dispositivos como os balões[4],
de diversos formatos, que indicam as variações de “sentimentos” em cena.
Nos balões, são utilizados advérbios e adjetivos para expressar som –
como bang bang, para representar o
estampido de um tiro – e ilustrar uma
linguagem visual, como o gesto, a careta e a postura. “O letreiramento, tratado
‘graficamente’ e a serviço da história, funciona como uma extensão da imagem. Neste
contexto, ele fornece o clima emocional, uma ponte narrativa, e a sugestão de
som” (EISNER, 2001, p.10). Para transmitir idéias e sensações, a linguagem das
HQs passa reunir recursos técnicos e expressivos. Uma seqüência de
representações visuais interdependentes é a estrutura
básica dos quadrinhos; com ela constitui-se a narrativa, um texto que pode ou
não incluir linguagem verbal. Esta, quando aparece, em geral é incorporada ao
espaço visual da página através dos balões, das legendas e das representações
gráficas de onomatopéias. Os quadrinhos não são uma simples mistura de desenhos
e palavras, mas sim uma linguagem artística específica. (SRBEK, 2005, p.29).
A história em quadrinhos é um texto e deve ser considerada em sua
totalidade. Entretanto, Srbek (2005) afirma que é impossível ter acesso a todo
o conteúdo de uma história em quadrinhos em um mesmo instante. A leitura de uma
HQ “implica numa ação comunicativa que se dá ao longo de partes integradas (as
páginas), que por sua vez constituem-se de seqüências de componentes (os
quadros), que também implicam em assimilações em temporalidades distintas”
(SRBEK, 2005, p.33). Como um quadro formatado por desenhos, representações
gráficas, além de balões e legendas.
Ao tomarmos contato com uma página de história em
quadrinhos, a primeira mensagem recebida tem qualidade de formas, cores e
luminosidade (limites espaciais, variações cromáticas e intensidade luminosa);
são sensações visuais às quais não atribuímos significado, em relação às quais não há ação intelectiva: apenas
percebemos formas, cores e luminosidade enquanto tais (antes de receberem nomes
ou significarem algo, elas são excitações mentais geradas a partir de
informações visuais objetivas que foram captadas por nossos olhos e
transmitidas na forma de impulsos neurais ao cérebro, onde se dá, de fato, a
percepção de formas, cores e luminosidade). (SRBEK, 2005, p.37).
Os balões, que compõem o conteúdo verbal, são variáveis em relação à
intenção de sugerir diversos hábitos de diálogos, tipos de culturas, estados
emocionais e personalidades dos protagonistas. Os balões são lidos segundo as
mesmas convenções do texto, ou seja, da esquerda para a direita e de cima para
baixo (nos países ocidentais). “À medida que o uso dos balões foi se ampliando,
seu contorno passou a ter uma função maior do que simples cercado para a fala”
(EiSNER, 2001, p.27). Com isso, os balões atribuíram a tarefa de dar som à
narrativa e de representar significado à natureza e à emoção da fala. Estilos[5] e
técnicas são outros elementos que compõem o visual dos quadrinhos, assim como
“as formas que caracterizam o ‘traço’ de um desenhista e a utilização das cores
e da luminosidade determinam o estilo de uma história em quadrinhos” (SRBEK,
2005, p.44). Contrates marcantes ou formas regulares,
linhas angulosas ou sinuosas, marcadas ou suaves,
variações bruscas de tons e cores, monotonia, gradações suaves, meios-tons,
valorização da linearidade em detrimento dos efeitos cromáticos, exploração da
luminosidade ou dos sombreamentos, entre outros, são elementos à disposição dos
autores de quadrinhos, que integram a mensagem produzida na leitura. (SBERK,
2005, p.38).
Will Eisner (2001) diz que, ao escrever apenas com palavras, o autor
dirige a imaginação do leitor. A imagem desenhada “torna-se um enunciado
preciso que permite pouca ou nenhuma interpretação adicional. Quando palavra e
imagem se ‘misturam’, as palavras (...) já não servem para descrever, mas para
fornecer som, diálogo e textos de ligação” (EISNER, 2001, p.122). Para Will Eisner,
é possível contar uma história apenas por imagens, sem a ajuda de palavras. Um
exemplo de imagem desenhada sem texto explicativo é o pictograma, idéias
expressas por meio de cenas. No pictograma, através de uma iluminação sua
qualidade emocional pode se modificar.
Will Eisner exemplifica que a idéia da devoção pode ser interpretada de
diversas formas. Um homem ajoelhado com as mãos, em ato de devoção, pode ser
interpretado como uma pessoa pedindo esmola, em culto religioso, ou em busca de
afeto, como se um homem pedisse uma mulher em casamento. A
utilização de imagens sem palavras exige certo apuro por parte do leitor, da
experiência comum à observação necessária para que interprete os sentimentos
mais profundos do autor. A arte seqüencial, tal como é praticada nas histórias
em quadrinhos, possui número limitado de imagens, se comparado com o cinema, onde
elas são exibidas em seqüência fluida e numa velocidade capaz de emular o
movimento real.
O fator “tempo” é uma dimensão essencial nas histórias em quadrinhos. Segundo Will
Eisner (2001), no universo da consciência humana, o tempo se combina com o
espaço e o som, numa composição de interdependência, na qual as concepções,
ações, movimentos e deslocamentos possuem um significado e são medidos através
da percepção que temos da relação entre eles. “O som é medido auditivamente, em
relação à distância que se encontra de nós. O espaço, na maioria das vezes, é
medido e percebido visualmente. O tempo é mais ilusório: nós o medimos e
percebemos através da lembrança da experiência” (EISNER, 2001, p.25).
Ao contrário do “tempo”, que reduz uma ação e deixa a cena mais rápida na
percepção do leitor, o timing[6]
é utilizado para prolongar uma cena no intuito de realçar a emoção.
Exemplificado por Will Eisner (2001), no fator “tempo”, a cena entre xerife e
bandido se duelam é composta por três quadros. No primeiro, o bandido ataca o
xerife. No segundo, o xerife está com uma arma em punho, já disparada. No
terceiro e último quadro, o bandido já está no chão, morto.
Na seqüência do timing, a cena
é prolongada. A mesma situação é contada em seis quadros. No primeiro, o
bandido ataca o xerife. No segundo, o xerife atira no bandido. No terceiro,
quarto e quinto quadros, o bandido se contorce em dores ao ser atingido por um
tiro e começa a cair, lentamente, ao chão. No último quadro, o bandido já está
no chão, morto.
A habilidade de expressar tempo é decisiva para o
sucesso de uma narrativa visual. É essa dimensão da compreensão humana que nos
torna capazes de reconhecer e compartilhar emocionalmente a surpresa, o humor,
o terror e todo o âmbito da experiência humana. (...) O timing, que é o uso dos elementos do tempo para a obtenção de uma
mensagem ou emoção específica. (EISNER, 2001, p.26).
O ritmo da história e a passagem do tempo são marcados pelos números e o
tamanho dos quadrinhos. Para que o ritmo apareça na cena em várias seqüências,
esses fatores se entrelaçam com o timing.
Segundo Will Eisner (2001), quando é necessário comprimir o tempo, usa-se uma
quantidade maior de quadrinhos, para que a ação seja mais segmentada. O formato
dos quadrinhos também tem função, como as formas quadradas perfeitas, que
transmitem regularidade de ação. O toque de um telefone em uma cena, por
exemplo, requer tempo e espaço para invocar suspense e ameaça. Em vista disso,
toda a cena é ocupada pela ação do toque.
O enquadramento também é importante na arte seqüencial, pois representa a
disposição dos elementos dos quadrinhos e das imagens que compõem a construção
da narrativa. “Na narração visual, a tarefa do escritor/artista é registrar um
fluxo ininterrupto em segmentos de cenas ‘congeladas’, encerrados num
quadrinho” (EISNER, 2001, p.39). Nos quadrinhos, existem três tipos de
enquadramento: a figura ou corpo inteiro; o enquadramento médio, que mostra a
personagem da cintura para cima; e o close-up,
capaz de enquadrar os detalhes de um corpo.
Os quadrinhos possuem a linguagem “não verbal” do requadro, cuja função
principal é moldurar tudo que o estiver dentro dos quadrinhos e dentro dos
balões.
Os requadros retangulares com traçado reto, a menos
que a parte verbal da narrativa o contradiga, geralmente sugerem que as ações
contidas no quadrinho estão no tempo presente. O flashback (mudança de tempo ou
deslocamento cronológico) muitas vezes é indicado por meio da alteração do
traçado do requadro. O traçado sinuoso ou ondulado é o indicador mais comum de
passado. Embora não exista nenhuma convenção de consenso universal para a
expressão do tempo através do requadro, o “caráter” do traçado – tal como no
caso do som, emoção ou pensamento – cria um hieróglifo. (EISNER, 2001, p.45).
A ausência do requadro pode expressar um espaço ilimitado na ação e
possui o efeito de compreender o que não está visível na cena, aumentando o
envolvimento do leitor com a narrativa. O requadro pode ser utilizado como
recurso narrativo, tornando-se parte da história ao expressar a dimensão do som
e o clima emocional da cena. O requadro denteado, relacionado com a sonoridade,
sugere ações explosivas. O quadro comprido, aliado à posição de vários quadros
pequenos, reforça a ilusão de altura e movimento. Para a transmissão de força e
ameaça, o personagem, geralmente, rompe os limites do quadrinho e sugere a
sensação de uma ação desenfreada. O requadro pode se tornar parte da cena de um
quadrinho como suporte estrutural, como, por exemplo, quando ele se torna o
contorno de uma porta. Já no caso de o requadro imitar uma nuvem, a sugestão é
de pensamento ou lembrança.
Segundo Will Eisner (2001), a maneira como o artista “vê” a vida e os
objetos com os quais tem de lidar constiui o núcleo da técnica que emprega. O
artista deve lidar com alguns elementos básicos de fenômeno e imagem e temas
que devem ser compreendidos. Abaixo, citamos 11 prerrogativas técnicas de
Eisner para produção de quadrinhos:
1 - A máquina
humana: corpo humano ou animal como um instrumento mecânico com limitações de
movimentos;
2 - Perspectiva:
distância entre as formas, uso de linhas que partem de um ponto no horizonte e
configurações de tamanhos mostrados em superfície unidimensional;
3 - Luz e
sombra: ausência de luz é escuridão. A luz deve ser representada com um fio de
água e a sobra é proveniente de objetos que recebem luz de um lado e criam
sombra do outro;
4 - Objetos: ao
fazer um paralelo com o corpo humano, objetos também têm anatomia;
5 - Aparelhos: o
artista deve compreender como se articulam determinados objetos para retratá-los
na imagem;
6 - Gravidade:
representar o peso de um objeto resulta de reação à força gravitacional;
7 -
Drapejamento: objetos que desafiam a lei da gravidade;
8 - Caricatura:
representação realista de um rosto é mais detalhada que a representação caricata,
que é o resultado do exagero e da simplificação;
9 - Composição:
cada quadrinho é uma forma geométrica e deve ser considerado um palco onde se
arranjam os elementos;
10 - Balões:
retratam as falas e os sons;
11 - Visual versus ilustração: livros didáticos têm
ilustrações; as histórias em quadrinhos são desenhos visuais. O visual
substitui o texto e a ilustração é sempre repetitiva.
2.
AS LINGUAGENS DO CINEMA
“O cinema, invenção recente dentre muitas do
ocidente industrializado, era o produto de um encontro histórico entre teatro, vaudeville, music hall, pintura, fotografia e toda série de progressos
técnicos” (CARRIÈRE, 2006, p.11). Nas primeiras páginas do livro A linguagem secreta do cinema, o
escritor e roteirista Jean-Claude Carrière (2006) esboça, por meio de um
exemplo, o primeiro contato de uma pessoa com a linguagem do cinema. Nos primórdios
da sétima arte, em terras africanas, uma região cuja cultura se baseia na
tradição oral, os habitantes não conseguiam compreender e se adaptar àquela
“sucessão de imagens silenciosas, oposto daquilo a que estavam acostumados.”
(CARRIÈRE, 2006, p.15).
Durante toda a sessão, um homem ficava ao
lado da tela com um bastão para explicar tudo o que acontecia na sucessão de
imagens. Para os ingênuos africanos, acabara de surgir uma nova linguagem, uma
mídia que requer reflexão e raciocínio para ser entendida e cuja mensagem
poucos conseguiam absorver sem auxílio prévio.
A linguagem cinematográfica passa a se
consolidar quando o filme começa a obedecer ao processo de montagem, ao corte
ou à edição. Até então, na primeira década de vida do cinema, o filme nada mais
era que uma seqüência de tomadas e cenários estáticos. Ou melhor, um teatro
filmado. Os espectadores estavam diante de uma nova realidade e tinham
curiosidade de saber como funcionavam as imagens ou “fotografias” em movimento.
Das primeiras
seqüências de desenhos dos artistas pré-históricos até a sucessão das chapas de
projeção da lanterna mágica, a mão e o olho humanos trabalharam
incansavelmente, e às vezes com surpreendente sucesso, para nos mostrar o
impossível – para nos mostrar movimento numa imagem estática. Só desse ponto de
vista, o cinema representou um prodigioso avanço técnico. Mas a verdadeira
invenção – empolgante, nunca vista e talvez nunca sonhada – reside na
justaposição de duas cenas em movimento, a
segunda anulando a primeira, ao sucedê-la. (CARRIÈRE, 2006, p.17).
A composição da linguagem cinematográfica
inclui os movimentos e posições de câmera, a iluminação, os ângulos, os planos
e uma dezena de outros conceitos. Quando um homem é filmado do ponto de vista
de uma mulher, de baixo para cima, o homem irá parecer ameaçador. Caso
contrário, se a mulher for filmada, do ponto de vista masculino, ela aparentará
ser vulnerável, fraca, amedrontada.
A criação de gêneros também contribui para
enriquecer a linguagem cinematográfica. “As comédias sempre pediram uma
iluminação brilhante, alegre: a frivolidade evita as sombras. O divertimento
foge dos contrastes violentos” (CARRIÈRE, 2006, p.18).
Uma das características da linguagem é seu
poder de inserir determinada história numa narrativa fantástica. “O cinema
cria, assim, um novo espaço, com um simples deslocamento do ponto de vista”
(CARRIÈRE, 2006, p.19). Esses deslocamentos de imagem e os processos narrativos
desenvolvem-se no início da década de 1920.
Após 25 anos da invenção, o cinema atinge o status de arte. As imagens, com base na
linguagem cinematográfica, manifestavam-se por meio do olhar. “Ao contrário da
escrita, em que as palavras estão sempre de acordo com um código que você deve
saber ou ser capaz de decifrar (você aprende a ler e a escrever)” (CARRIÈRE,
2006, p.20). A imagem possui linguagem universal, constantemente ligada à
criação de novas formas. O cinema, na verdade,
fez uso
pródigo de tudo o que veio antes dele. Quando ganhou a fala em 1930, requisitou
o serviço de escritores, com o sucesso da cor, arregimentou pintores; recorreu
a músicos e arquitetos. Cada um contribuiu com uma visão, com sua forma de
expressão. (CARRIÈRE, 2006, p.22).
No século XIX, a narrativa realista no
cinema, uma trivialização de aspectos da vida individual e social, deixava a
impressão de que uma ação única não mais fosse acontecer. A partir do século
XX, as características da narrativa realista, ancorada em minuciosas descrições
de acontecimentos, personagens e ambientes, davam lugar à narrativa moderna,
que deixava de lado o enredo de fragmentos descritivos.
Segundo Tânia Pellegrini (2003), o tempo no cinema está ligado ao espaço. “Além de integrado ao tempo, o
espaço associa-se, pois, em maior ou menor grau, às personagens e ao narrador,
com seus pontos de vista, seu olhar, sua ‘câmera’, que enfoca e recorta a
realidade.” (PELLEGRINI, 2003, p.25). O espaço é o processo descritivo e é com
a descrição que os recursos cinematográficos sofrem transposições para as
técnicas narrativas, ou, em sentido amplo, transforma-se em linguagem
cinematográfica. No caso, o narrador pode utilizar os vários tipos de planos,
como o traveling, brincar com a
iluminação e a fotografia para descrever ações.
O filme
oferece à narrativa literária uma maneira de ver coisas que seriam neutras,
pois embora a câmera não reproduza exatamente o processo fisiológico da visão,
ela captura realidades visuais que, até certo ponto, podem estar livres da
interpretação da mente humana. A imagem filmada, assim, estaria liberta de sentimentos
e emoções e apresentaria uma perspectiva mais objetiva que a palavra, pois
capturaria aspectos insuspeitos do movimento e da paisagem, “invisíveis a olho
nu”. (PELLEGRINI, 2003, p.27).
A câmera não é neutra, assim como o conceito
de objetividade revela-se complexo. Afinal, há alguém por trás das câmeras,
responsável pelos processos de edição. “Assim, é a objetividade relativa da imagem filmada que permite
sua aproximação com a linguagem, numa nova maneira de organizar a matéria
narrada, por meio da montagem” (PELLEGRINI, 2003, p.28).
O cinema inventou a si mesmo, copiou,
reinventou e, inclusive, criou funções, como de diretor, figurinista,
engenheiro de som, cameraman, entre
outras, que se aperfeiçoaram com os passar dos anos. De tanto copiar e se
reinventar, o cinema também criou o lugar-comum ou o clichê. “Os
contemporâneos... por sua vez, se adaptam (involuntariamente, com freqüência de
modo inconsciente) a formas de expressão que por um breve período parecem
ousadas, mas logo se tornam lugares-comuns” (CARRIÈRE, 2006, p.21). Quando uma
pessoa inventa algo, ela é inovadora. Uma segunda pessoa que decide copiar a
primeira aprimora a inovação. Já o ato ou efeito da tentativa de cópia de uma
terceira pessoa culmina com os clichês.
É uma arte em
movimento, uma arte apressada, uma arte em incessante solavanco e desordem, e
isso, às vezes, leva os cineastas a ver mudanças profundas em meras alterações
sintáticas, em novos equipamentos, transmissão por satélite, geração eletrônica
de imagens. Essa riqueza de invenção que o cinema conhece desde os seus
primórdios, essa expansão aparentemente ilimitada dos instrumentos da linguagem
gera, com freqüência, um tipo de intoxicação que, mais uma vez, nos leva a
confundir técnica e pensamento, técnica e conhecimento. (CARRIÈRE, 2006, p.23).
Ao tratar de cinema e televisão, impossível deixar de discutir o método
responsável pela força vital de ambos os meios: a adaptação. A maioria das
produções cinematográficas e televisivas são adaptações. Ou seja, grande parte
do é realizado na sétima arte baseia-se em histórias reais, livros, contos,
artigos e peças teatrais. Na história do cinema, há inúmeros exemplos de tal
relação. Basta citar os filmes E o vento levou,
Casablanca e Cidadão Kane.
Ismail Xavier (2003, p.61-89), em sua análise sobre a trama, a cena e a
construção do olhar no cinema, na obra Literatura,
cinema e televisão, diz que a questão da adaptação literária pode ser
discutida em muitas dimensões, como a da interpretação de um diretor de cinema
ou de um roteirista, em alguma transposição literária para o cinema. Com base
na interpretação do cineasta, cabe também a interpretação de um crítico, ou de
um espectador, para julgar se o filme transposto apresenta-se, ou não, fiel ao
material original.
A interação entre as mídias tornou mais difícil
recusar o direito do cineasta à interpretação livre do romance ou peça de
teatro, e admite-se até que ele pode inverter determinados efeitos, propor
outra forma de entender certas passagens, alterar a hierarquia dos valores e
redefinir o sentido da experiência das personagens. A fidelidade ao original
deixa de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do
filme como nova experiência que deve ter suas formas, e os sentidos nela implicados,
julgados em seu próprio direito. (XAVIER, 2003, p.61-62).
O livro e o filme estão separados pelo tempo, assim como as diferentes
características entre escritor e cineasta, que não possuem a mesma perspectiva
e sensibilidade. “A adaptação dialoga não só com o tempo de origem, mas com o
seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro” (XAVIER, 2003,
p.62). A especificidade da literatura, como as propriedades sensíveis do texto
e sua forma, são traduzidas para a especificidade do cinema, como ritmo de
montagem, composição de personagens e trabalho de fotografia e trilha sonora.
A cultura da atualidade marca-se por um apelo quase inteiramente visual.
Exemplos disso são a força das criações de mídias diversas, como o cinema, a
televisão, as histórias em quadrinhos, o vídeo
game, o videoclipe e a propaganda. Tais mídias podem ser descritas como
técnicas de comunicação para a transmissão de cultura apoiadas nas forças da
imagem, e com suporte do texto escrito
Como se sabe, toda narrativa repousa na representação
da ação; [...] Se a matéria dos
fatos, a ação, é vista como movimento, todas as formas narrativas – sejam as
propriamente literárias, como o romance ou o conto, a lenda ou o mito, sejam as
formas visuais, como o cinema e a televisão – estão direta ou indiretamente
articuladas em seqüências temporais, não importa se lineares, se truncadas,
invertidas ou interpoladas. (PELLEGRINI, 2003, p.17-18).
Flávio Aguiar (2003, p.115-144), também no livro Literatura, cinema e televisão, cita um comentário de Umberto Eco[7],
para quem a literatura utiliza estímulos emotivos após o leitor passar por
experiências e operações sintáticas e semânticas representadas por signos. A
informação lida pelo leitor é materializada em palavra e, conseqüentemente, organizada
e transformada em conceitos. “No cinema, a presença da imagem visual desperta
reações imediatas, incluindo-se as fisiológicas, com risos, lágrimas, descargas
de adrenalina e outras” (AGUIAR, 2003, p.120).
Fazer a adaptação de uma história exige escolhas, como selecionar o que é
mais relevante no material a ser adaptado. Assim como existe o papel de um
editor de texto em um jornal impresso, o adaptador exerce função semelhante:
fazer alterações na obra original. Caso ele não tenha coragem de fazer tais
alterações, não existirá a transposição.
Os escritores de adaptações começam como roteiristas, “comprando os
direitos de um livro ou de uma história baseada em fatos reais, e insistindo em
serem contratados para escrever o roteiro” (SEGER, 2007, p.12). As adaptações
de histórias em quadrinhos para o cinema é um exemplo de que os executivos e
produtores procuram, cada vez mais, outras fontes de material para o cinema,
que já tenham público.
Muitos escritores buscam o cinema como uma segunda
chance para suas histórias, e também para aumentar o número de leitores.
Negociações de milhões de dólares não são incomuns entre os escritores mais bem
sucedidos. Novos escritores também esperam ver suas obras transformadas em
filmes, e às vezes escreverem especificamente com um olho voltado para os
personagens e a estrutura do filme. (SEGER, 2007, p.12-13).
O processo de produção de uma adaptação não é tão simples como se
imagina. Primeiro, devem-se comprar os direitos e, logo em seguida, escrever o
roteiro. Terminada a primeira etapa, o segundo passo é avaliar o potencial de
adaptabilidade do material original e, claro, avaliar se o trabalho fez boa
tradução da história adaptada. “Por sua própria natureza, a adaptação é um
processo de transição ou conversão de uma mídia para a outra” (SEGER, 2007,
p.17). Nessa perspectiva, a adaptação sempre implica mudanças, como na
compreensão do texto escrito a ser encenado, ou da natureza do drama.
A adaptação também implica a adequação de parâmetros de tempo diferentes.
Uma obra de quinhentas, seiscentas ou mil páginas dificilmente será adaptada
por completo em filmes de duas horas. O roteirista deve saber editá-la e
precisa selecionar aquilo que será mais interessante para o espectador.
Entretanto, se o material original for pequeno, como contos ou artigos, o
adaptador terá de saber como ampliar o trabalho sem modificar a idéia proposta
da obra adaptada. “Raramente um filme começa e termina da mesma forma que o
livro que lhe serviu de base. É evidente que existem exceções” (SEGER, 2007,
p.18).
Seger (2007) exemplifica
alguns filmes que tenham aberturas e desfechos iguais ou diferentes de suas
obras originais. Exemplos são a adaptação de E o Vento Levou, que começou e terminou igual ao livro; A Cor Púrpura (1985), de Steven Spielberg,
cujo filme começa bem depois do ponto de partida do livro, e Conte Comigo (2000), de Ken Lonergan, em
que o final é antecipado pelo filme em onze páginas da obra literária.
A própria natureza do ato de condensar envolve perda
de material. Condensar geralmente inclui a perda de subplots (histórias que compõem uma linha secundária de ação), a
fusão ou o corte de personagem, a necessidade de deixar de fora muitos dos
temas que podem estar presentes em um longo romance, além da necessidade de
encontrar no material o começo, o meio e o fim de uma linha dramática para a
história. Essas escolhas podem ser frustrantes, já que algumas vezes os
escritores têm de abrir mão de cenas ou personagens de que gostam, para fazer
com que o filme fique bom. (SEGER, 2007, p.18-19).
Se, numa longa história, é necessário que se faça um “condensamento
histórico”, em breve narrativa, como a de um
conto, exige-se que o adaptador transforme o roteiro numa boa linha de
ação dramática, ou em história bem contada. Além disso, ele deve acrescentar
algo à história principal, como personagens, situações novas e subplots, para que o filme torne-se
comercialmente viável no mercado cinematográfico. “Geralmente um conto tem
menos personagens do que um romance, e esses personagens estão inseridos em
circunstâncias extremamente singelas, por vezes até mesmo destituídas de
começo, meio ou fim” (SEGER, 2007, p.19).
Quando surge, no meio cinematográfico, a palavra “comercial”, os
escritores assemelham o seu significado à perda de integridade do trabalho,
como se a tal obra fosse entregue aos clichês e às cenas gratuitas, fáceis de
atrair o público. “É importante lembrar que entretenimento não é só show, mas
também negócio, e sendo assim, os produtores precisam estar razoavelmente
seguros de que conseguirão obter retorno sobre seus investimentos” (SEGER,
2007, p.21). Portanto, assim como a televisão, o cinema também deve ser
trabalhado para agradar às massas e, claro, gerar lucro. Vem daí a necessidade
de deixar a história mais clara e de não haver personagens ambíguos, como em
romances e peças. Roteiros mastigados e de fácil compreensão tornaram-se
acessíveis ao grande público.
As transposições de obras para o cinema, de livros a peças teatrais,
geralmente tiveram seus finais alterados “a fim de apelar para o público mais
amplo do cinema e da televisão” (SEGER, 2007, p.23). A autora dá dicas para o
melhor aproveitamento de uma adaptação
Se você quiser matar seu personagem principal [...]
assegure-se de que exista outro centro emocional em sua história. Assegure-se
de que o público não ficará sofrendo sozinho. Dê aos espectadores um outro
personagem com o qual possam compartilhar sua angústia, e que os ajude a
compreender o significado da morte, para que ela se torne uma vitória maior.
(SEGER, 2007, p.24).
Um dos papéis do adaptador é transformar o roteiro adaptado em um filme
comercialmente viável, com estruturas narrativas claras, ou traduzir o material
literário para a linguagem do cinema. Afinal, como diz a autora, o cinema é uma
experiência única. “Não existe a possibilidade de voltar à página para
verificar um nome ou reler uma descrição. Portanto, a clareza é um fator de
extrema importância para a viabilidade comercial da adaptação” (SEGER, 2007,
p.24). Com o processo de adaptação para o cinema, os acontecimentos podem
ganhar novos pontos de vista. Um personagem considerável no livro pode ter
menos ênfase no filme. E tramas da obra literária podem ser excluídas devido à
falta de dinâmica dramática.
Segundo Will Eisner (2001), no cinema, o espectador de um filme é
impedido de ver o quadro seguinte antes que o criador o permita, porque esses
quadros, impressos nos fotogramas, são exibidos um por vez. Dessa maneira,
podemos definir que o filme “é uma extensão das tiras de quadrinhos, tem
absoluto controle sobre sua leitura – vantagem de que o teatro também desfruta”
(EISNER, 2001, p.40).
Os enquadramentos dos quadrinhos e do cinema são semelhantes. Quando o
personagem é mostrado de corpo inteiro, no cinema há o correspondente. Trata-se
do plano geral: “a figura mostrada inteira não requer nenhuma sutileza de
percepção. Ela não solicita nada da imaginação ou do conhecimento do leitor”
(EISNER, 2001, p.42). Enquanto, no cinema, o plano médio mostra da cintura para
cima, no quadrinho, esse enquadramento “espera que o leitor complete o resto da
imagem – dada uma alusão generosa a respeito de sua anatomia” (EISNER, 2001,
p.42). O primeiro plano no cinema é parecido com o enquadramento close-up dos quadrinhos: “Espera-se que
o leitor suponha a existência da figura inteira deduzindo a postura e os
detalhes a partir da memória e da sua experiência” (EISNER, 2001, p.42).
Outra diferença entre cinema e quadrinhos é a imagem. Há um tratamento
diferenciado entre essas duas artes, pois a imagem cinematográfica é marcada
por “signos da concreção fotográfica – a face concreta da realidade, mesmo
quando trabalha com elementos ilusórios ou encantatórios” (CIRNE, 2000, p.134).
Nos quadrinhos, a marca é seu grafismo: “Seja realista, seja fantástica, seja
caricatural, a imagem existe dominada por este ou aquele determinado grafismo”
(CIRNE, 2000, p.135).
Cinema e quadrinhos não ficam centrados apenas à imagem, mas estão estruturalmente
ligados a uma narrativa. Xavier (1995) diz que a narrativa fílmica evolui e se
apóia “na questão essencial do princípio da continuidade que o ideal clássico
afirma, englobando a construção do espaço-tempo, a lógica das ações, a
psicologia dos motivos” (XAVIER, 1995, p.10). Cirne (2000) afirma que a “narrativa
quadrinística” formula uma viagem literária apoiada em seus elementos
gráfico-visuais, com base em cortes ou eclipses – espaços-temporais. “Mais do
que o cinema, os quadrinhos serão a arte dos cortes” (CIRNE, 2000, p.136– 137).
O corte também é essencial no cinema e nos quadrinhos, mas com funções
diferenciadas. No cinema, o corte “é uma possibilidade estética; nos quadrinhos
aparece como uma exigência semiótica” (CIRNE, 2000, p. 137). Esta exigência
semiótica diz respeito ao entendimento do leitor ao ver signos desenhados nos
quadros.
Nos quadrinhos, o espaço narracional se demarca pelo
lugar do corte. Um não-dito que pode ser preenchido pela imaginação do leitor a
cada momento, a cada impulsão, a cada vazio – o vazio que antecede a nova
imagem. Nos quadrinhos, o corte é mais importante do que o balão, por mais
criativo e/ou metalingüístico que este possa ser. [...] O balão quando
aproveitado pelos bons desenhistas, abre espaço para uma série de
possibilidades plásticas. Assim, mais do que uma conquista semiótica, como
possível espaço narrativo, o balcão é uma conquista estética. (CIRNE, 2000,
p.137).
A característica que minimiza a função do corte nos quadrinhos é o
plano-seqüência. “Dois, três ou mais
planos dividindo uma imagem, com personagens se ‘movimentando’ entre eles, não
apontam propriamente para uma seqüência temática de longo alcance dramático”
(CIRNE, 2000, p.144). Se há grande quantidade de planos divididos em uma imagem
que ocupe uma página inteira, o efeito estético torna-se confuso. Caso não
tenha planos e haja uma grande imagem repleta de signos de alcance narrativo, o
plano-seqüência torna-se uma anti-narrativa, congelando-a, tornando-se, pois,
uma ilustração.
Segundo Cirne (2000), o plano-seqüência, com base na profundidade de campo,
é uma conquista da técnica fotográfica operada pelo cinema. Trata-se, enfim, de
um progresso na linguagem do cinema.
Nos quadrinhos, a imagem – isolada – será a unidade
mínima de seu discurso. Só que, se no cinema “o plano é a célula da montagem”,
nos quadrinhos serão a célula da literatura. Leitura esta que agencia a
narrativa através de novos planos, novas imagens, e não apenas de uma ilusão de
ótica, como no cinema. Assim posto, o plano-seqüência cinematográfico implica
um desdobramento narrativo, sem cortes, que se dá no interior do próprio plano,
que continuará sendo a célula-matriz da montagem, a instauração mínima de base
significante da sua linguagem. (CIRNE, 2000 p.142-143).
Outra característica que faz a fusão de linguagens entre quadrinhos e
cinema, freqüentemente utilizada na sétima arte, são os story boards. A expressão é definida por Eisner (2001) como cenas
“imóveis” para filmes, pré-planejadas e dispostas em quadros pintados ou
desenhados. Embora empreguem
os elementos principais da arte seqüencial, diferem
das revistas e tiras de quadrinhos por dispensarem os balões e os quadrinhos.
Não são destinadas à “leitura”, mas antes para fazer a ponte entre o roteiro
com filme e a fotografia final. Na prática, o story board sugere “tomadas” (ângulos de câmera) e prefigura a
encenação e a iluminação. (EISNER, 2001, p.143).
A criação do personagem também apresenta diferenças no cinema e nos
quadrinhos. Na sétima arte, o personagem é interpretado por um ator e
“construído” por uma direção de atores. Já nos quadrinhos, não existe ator, mas
um desenhista que cria o personagem. “Neste caso, não há ‘atores’ bons ou
ruins; há personagens que são bons ou ruins em função de uma série de elementos
textuais e que, em primeira instância, são elementos gráficos” (CIRNE, 2000,
p.154).
3.
PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DO OBJETO
Os princípios
metodológicos aplicados ao estudo da transposição de linguagem da HQ HQ Os 300 de Esparta para o filme 300 baseiam-se na comparação crítica entre
cenas do filme e as páginas dos quadrinhos de ambos os produtos culturais. Além
de pesquisa bibliográfica, para investigar as semelhanças e distinções entre o longa-metragem
a HQ, analisamos duas seqüências do filme e duas cenas da HQ.
As duas cenas foram
escolhidas pois nos mostram as duas diferenças de adaptação discutidas nesta
monografia: a cena adaptada do livro utilizada como story board para o cinema demonstrando semelhanças na transposição
de linguagens e a cena que contém elementos inventados pelo roteirista do filme,
seqüências que não existem na HQ.
O método de análise foi
feito por meio de decupagem, quadro a quadro, tanto do desenvolvimento da
história em quadrinhos, quanto das cena do filme. Para se fazer uma decupagem,
em relação à HQ,, foi necessário observar quadro a quadro a cena escolhida do
livro e descrever o que acontece em cada quadro. No filme, o processo da
decupagem foi praticamente o mesmo, porém ao invés de descrever a cena
escolhida quadro a quadro, optamos por descrever a seqüência corte a corte.
As Guerras Médicas, e a conseqüente derrota dos persas para os gregos,
são consideradas um dos acontecimentos mais importantes da história da
humanidade. O episódio épico foi relatado por um único homem, o historiador
grego Heródoto. Nascido em Halicarnasso (atual Turquia), em 484 a .C., e considerado o “pai da
história”, Heródoto é a principal fonte de pesquisa sobre a batalha, por ter
vivido e coletado informações em época próxima dos fatos. Ocorridas entre 492 a .C. e 449 a .C., as Guerras Médicas resultaram
das disputas territoriais na Ásia Menor (atual Turquia e países próximos). Tais
confrontos estão descritos em nove livros de Heródoto.
Os eventos
iniciaram-se quando o Rei da Pérsia, Dario I, planejara expansão territorial no
Sudeste europeu. Segundo o historiador Michael Sage (2007), o motivo da invasão
persa à Grécia “era uma relativa tolerância com os costumes e crenças
religiosas dos povos conquistados.” (SAGE, 2007, p.42). Tudo começou após as colônias gregas se rebelarem e vencerem a
primeira Guerra Médica, a batalha de Maratona, em 490 a .C., contra o domínio
persa na Ásia Menor. Michael Sage ainda afirma que “os atenienses logo
cercaram seu triunfo com uma mitologia duradoura sobre a vitória da liberdade
grega contra o despotismo oriental.” (SAGE, 2007, p.42).
Quando
Dario I morreu, seu filho Xerxes herdou a missão de vingar e conquistar o
território grego. Para isso, Xerxes invadiu Atenas e realizou enorme expedição
militar para o primeiro confronto em Termópilas. Os gregos foram representados pelos
espartanos, a maior força e inteligência militar da Grécia.
Com o
inimigo muito mais numeroso, os espartanos escolheram dois locais para tentar
executar a estratégia de defesa contra os persas: o estreito de Artemísio e o
desfiladeiro de Termópilas. Os locais eram passagens obrigatórias do avanço do
exército persa. O curto espaço para a passagem das tropas nessas duas regiões
era uma defesa natural, que favorecia a tática espartana, pois a superioridade
numérica dos persas não seria mais uma grande vantagem.
Em função
do festival religioso das Carneias, celebrado em homenagem ao Deus Apolo, o Rei
de Esparta, Leônidas, ignorou o Conselho dos Anciões e enviou seus 300 melhores
combatentes para guerrear em defesa da Grécia nos Portões de Fogo. Pelo caminho
até Termópilas, diversas forças de pequenas cidades gregas, como os árcades de
Peloponeso, juntaram-se a Leônidas, totalizando 7 mil gregos. Foram três
confrontos diretos e três derrotas persas. A invencibilidade espartana só não
contava com a traição de um morador da região, o grego Efialtes. O traidor
conduziu as tropas de Xerxes por um caminho que os favorecia a atacar os
espartanos por trás. Ao saber da aproximação dos persas, Leônidas mandou recuar
quase todos os gregos, exceto os seus 300 homens. Apenas o guerreiro Dilios,
que fazia parte da guarda imperial, ferido em um dos olhos, foi ordenado a
voltar a Esparta para contar a história da proeza de Leônidas. As forças gregas
e os 300 espartanos conseguiram interromper o avanço persa, por três dias,
antes de morrer. Nas batalhas nas Termópilas e em Artemísio, morreram
aproximadamente 1.400 soldados.
Leônidas e
seus homens conseguiram cumprir a missão de impedir o avanço persa nos Portões
de Fogo, em Termópilas.
Com isso, a Grécia ganhou tempo para se preparar para outros
confrontos, meses depois, em Salamina e em Plataia, com exércitos mais bem
preparados e numerosos (aproximadamente 40 mil guerreiros). O historiador John Warry diz que “a ação de Leônidas nas
Termópilas permaneceu um modelo de heroísmo para a Grécia e para o mundo. Mais
ainda, Leônidas não foi apenas um herói, ele também era um bom estrategista” (WARRY,
2007, p.45).
A história da batalha das Termópilas já foi adaptada para o cinema em
1961, com o título Os 300 de Esparta,
dirigida por Rudolph Maté e protagonizada por Richard Egan. O célebre fato
também foi transposto, em 1998, e com o mesmo nome do longa de 1961, para uma
revista de história em quadrinhos, desenhado pelo norte-americano Frank Miller[8].
Em 2007, o acontecimento épico ganhou nova adaptação para o cinema, recebeu o
nome de 300, e contou com direção de Zack
Snyder.
Hoje, os quadrinhos ganham cada vez mais espaço nos cinemas. Adaptações
de personagens oriundos das HQs não param de ser lançadas, com recordes de
bilheteria e uma série de produtos relacionados, de brinquedos a jogos
eletrônicos. Para citar alguns dos principais filmes adaptados recentemente,
temos Sin City – A cidade do pecado, 300, Demolidor,
Elektra, O anti-herói americano, Quarteto
fantástico.
Com o sucesso da história em quadrinhos Os 300 de Esparta, o diretor de cinema
Zack Snyder, fã da obra de Miller, resolveu adaptar, mais uma vez, o
acontecimento. Porém, ao invés de se basear nos textos de Heródoto, único homem
a relatar o episódio épico, baseou-se na obra do desenhista norte-americano
Frank Miller. O filme 300 não é uma
refilmagem, embora trate do mesmo assunto do filme realizado nos anos 1960.
Trata-se de uma nova adaptação do acontecimento, que mistura efeitos visuais de
última geração, cenários digitais, bastante ação e elementos históricos com
toques de fantasia, para fascinar o espectador.
A obra gráfica Os 300 de Esparta
(Ver imagem 1), desenhada
por Frank Miller e pincelada por Lynn Varley, foi lançada pela Dark
Horse Comics e distribuída através da Devir Livraria, pela primeira vez no
Brasil, em 1999. Em 2007, aproveitando a estréia da adaptação cinematográfica
de 300 no cinema, o livro é relançado
no mercado nacional em edição de luxo, com formato horizontal (33 X 24 centímetros ),
capa dura, título em vermelho envernizado e grandes painéis, como se a história
fosse mostrada em “tela widescreen”[9]. O
novo formato da obra permite ao leitor conhecer ainda mais a batalha, ao se
encantar com belas cores e imagens em planos quase cinematográficos. Ao fazer um paralelo com o
cinema, os planos que predominam na obra são o plano geral[10]
e o primeiro plano[11]
e os ângulos mais utilizados são o plongé[12] e o contra-plongée[13].
As
inspirações de Miller para traçar Os 300 de Esparta foram o filme com o mesmo
nome, feito em 1961 – e ao qual assistiu ainda na infância –, e os textos de
Heródoto, o “pai da história”,
escritos há mais de 450 anos a.C. Miller conta que ficara
intrigado com o filme e inspirado por ele, pois me
ensinou que os heróis não ganham necessariamente uma medalha no final da
história, que os heróis são pessoas que fazem o que é certo apenas porque é
correto, mesmo que isso lhes custe o sacrifício extremo. Por toda a minha vida
quis contar essa história, por ser a melhor que eu já vi pela frente. E como
acabei trabalhando com desenho, pensei que finalmente poderia fazê-lo. (MILLER,
2007, disponível em <http://www.cinepop.com.br/especial/300.htm>).
Dividido
em cinco capítulos, o livro Os
300 de Esparta retrata a imaginação de Miller ao narrar a batalha das
Termópilas, ou Os Portões do Inferno,
um dos episódios das Guerras Médicas, no século 5 a .C., entre gregos e persas.
No decorrer das páginas, o leitor encontra discursos militaristas de Leônidas que mantinham a
bravura de seus soldados e o respeito entre eles, e frases e
diálogos de efeito, como “Espartanos, preparem seu
desjejum e comam com apetite, pois esta noite jantaremos no inferno!” (MILLER,
2006, p.72). Ou a conversa em
que Xerxes diz a Leônidas: “Sua tribo é fascinante, nossas
culturas poderiam partilhar tanta coisa” (MILLER, 2006, p.59). Ao que responde Leônidas, referindo-se ao
primeiro dia de batalha em que os espartanos “venceram” os persas: “Nós
partilhamos nossa cultura com vocês a manhã toda” (MILLER, 2006, p.59).
A narração
sempre enaltece a coragem de Leônidas e a caracterização dos personagens centra
o foco nos “vilões”: “Surge uma voz tão macia quanto óleo aquecido sobre couro
puído... e tão intensa quanto o ribombar de um trovão”; (MILLER, 2006, p.59). “Silenciosos... com sua forma
impecável... movendo-se em tal harmonia, que cada passo conjunto atinge a terra
como um golpe de martelo do Deus do fogo... eles marcham”; “A força de combate
mais mortal de toda a Ásia” (MILLER, 2006, p.61).
O longa-metragem 300 (Ver imagem
2), com 116 minutos de duração, também narra parte da grande batalha entre
espartanos e persas, nas Termópilas, no ano 480 a .C. O Rei de Esparta,
Leônidas, e seus guerreiros conseguem impedir, por três dias, a invasão persa à
Grécia, comandada pelo Imperador Xerxes, com um exército infinitamente menor. O
sacrifício dos espartanos é considerado, até hoje, uma das maiores proezas de
defesa em uma guerra.
O roteiro,
escrito por Zack Snyder[14], Kurt Johnstad e Michael
Gordon, baseado na história em
quadrinhos Os 300 de Esparta, constrói um
universo fantástico, semelhante ao do livro e que conta com narração em off do personagem Dilios. “As
pessoas costumam não notar que Dilios está contando essa história e a
exagerando” (SNYDER, 2007, p.47). Segundo
o crítico de cinema Pablo Villaça (2007), o quadrinho e o filme suavizam a
imagem dos espartanos, retratando-os como “defensores da
liberdade”.
O filme deixa de citar o imenso número de escravos
mantidos em Esparta (o que se torna mais irônico quando constatamos que
Leônidas critica a escravidão persa) e transforma o rito de passagem do jovem
rei em uma inofensiva missão para caçar um lobo, quando, na realidade, Leônidas
provou seu ‘amadurecimento’ ao matar um escravo. (VILLAÇA, 2007, disponível em www.cinemaemcena.com.br).
A
tecnologia para a inserção dos cenários digitais é a mesma utilizada em Capitão Sky
e o mundo de amanhã e Sin City. “Preciso
dar crédito a Robert (Rodriguez) por criar uma estética Frank Miller” (SNYDER,
2007, p.20). Além dos efeitos
visuais, houve intenso treinamento das coreografias dos atores. Sobre os bastidores do filme, “apesar
da riqueza de efeitos especiais, a computação gráfica não serviria para
incrementar lutas ou colocar dublês digitais no lugar dos atores. Para isso, a
exigência em cima do elenco precisaria ser máxima” (SALEM, 2007, p.22), como forma de garantir um realismo perfeito. O posicionamento de câmera também foi comentado
por críticos de cinema, que consideram ter sido “estudadas sob
medida para os fãs de videogames” (SABADIN, 2007, disponível em <http://cineclick.uol.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=9533>).
O elenco
de 300
é formado por Gerard Butler, Vincent Regan, Lena Headey, David
Wenham, Michael Fassbender, Rodrigo Santoro, Tom Wisdom, Andrew Tiernan,
Dominic West e Andrew Pleavin. A produção é de Mark Canton, Bernie Goldman,
Jeffrey Silver e Gianni Nunnari. A fotografia é assinada por Larry Fong e a
trilha sonora é composta por Tyler Bates. Os estúdios que participaram da
produção do filme foram Warner Bros. Pictures, Hollywood Gang Productions, Atmosphere Entertainment MM,
Legendary Pictures e Virtual Studios.
As filmagens ocorreram nas cidades de Montreal, no Canadá, e em Los Angeles , nos
Estados Unidos. Orçado em 65 milhões de dólares, o longa-metragem arrecadou,
até o início de 2008, mais de 210 milhões em território norte-americano e mais
de 450 milhões em todo o mundo.
Nos tópicos seguintes, realizaremos análise de distinções e semelhanças
entre elementos lingüísticos, discursivos e visuais utilizados no filme 300 e na história em quadrinhos Os 300 de
Esparta.
3.4.1 Comparação
e análise de duas cenas emblemáticas
A primeira seqüência analisada neste trabalho trata
do confronto de Leônidas contra um lobo (Ver imagem 3), em sua infância.
Narrada por um combatente espartano, a seqüência contém 16 quadros. No primeiro
e no segundo quadros, um soldado espartano conta o passado de Leônidas numa
roda de fogueira, à noite. Nos quatro quadros seguintes, as palavras do
combatente espartano são representadas por Leônidas, ainda garoto, em um flash back[15]. Em ambiente frio e coberto de neve, o garoto avista a aproximação do
lobo. O animal preto, de olhos vermelhos, aproxima-se de Leônidas, que, com uma
lança nas mãos, encara o felino. A narração do soldado nos quadros 7, 8 e 9
volta ao presente da narrativa e mostra o espartano descrevendo a história para
seus colegas. Nos cincos próximos quadros, a narrativa volta ao passado, com
narração em off, para retratar o
conflito entre Leônidas e o lobo. Do 10º ao 14º quarto quadros, é utilizada a
ferramenta do timing, para prolongar
a seqüência da cena. No décimo sexto, acontece o clímax, em que Leônidas mata o
lobo com sua lança na boca do felino.
A mesma
passagem da HQ é retratada em 32 cenas no cinema. No longa-metragem, a tomada tende
a ser mais detalhada que na história em
quadrinhos. Na
primeira cena, o garoto Leônidas caminha em ambiente frio e com neve. Na segunda,
o garoto se esconde em uma fenda de rocha para se defender do frio. Na
terceira, o garoto escuta o uivado do lobo e olha para uma paisagem escura a
sua frente. Na quarta, o lobo aparece em sua frente, com olhos luminosos. Na
quinta, a câmera enquadra a cabeça do lobo. Na sexta, a partir do ponto de
vista do lobo, a câmera avista o garoto escondido numa fenda de rocha. Em
seguida, na cena 7, o menino se levanta e, na oitava e nona cenas, o garoto o
encara com uma lança nas mãos.
Na cena 10, o lobo rodeia o garoto. Na 11, de dentro
de uma estreita passagem, a câmera avista o lobo e o garoto de longe. Leônidas
observa a curta passagem e suas costas, caminha para trás e olha para o lobo
nas cenas 12 e 13. Na cena 14, o garoto caminha em direção à curta passagem
entre rochas, e o lobo o segue. Nas cenas 15 e 17, a câmera observa, do ponto de vista do lobo, o garoto caminhar entre a
curta passagem. Nas cenas 16 e 18,
a câmera enquadra, em primeiro plano, o rosto do lobo e
suas presas.
Nas cenas 19 e 21, Leônidas encara o felino. Nas
cenas 20 e 22, o lobo mostra suas garras ao garoto. Na cena 23, a câmera enquadra as patas do lobo em movimento de salto. Na cena 24, o
garoto dá um pulo para trás, com sua lança apontada para cima. Na cena 25, após
pular no garoto, o lobo fica preso na estreita passagem. Na cena 26, o garoto
observa o lobo, preso entre as rochas. Na cena 27, a câmera enquadra os pés
do garoto. Na cena 28, a
câmera mostra a paisagem fria do local. Na 29, a câmera focaliza o lobo
preso. Na cena 30, o garoto olha para o lobo. Na cena 31, a câmera enquadra o surgir
da lua cheia e, para finalizar, na cena 32, o garoto mata o felino, ao enfiar
sua lança dentro de da boca do animal.
A única
diferença entre as cenas é a narração, no tempo presente, que acontece na HQ.
No filme, a narração do soldado espartano fica somente em off e não há imagem do soldado contando a história de Leônidas para
seus colegas, como aconteceu nos quadros 7, 8 e 9 da HQ.
A segunda
cena a ser analisada envolve Leônidas e um mensageiro persa (Ver imagem 6). Na
HQ, essa seqüência contém 16 quadros. No filme, são usadas 100 cenas para
retratar o episódio da HQ. O primeiro quadro da história em quadrinhos mostra o
mensageiro e os soldados persas sobre seus cavalos. No segundo quadro, o cavalo
do mensageiro empina e o persa exige dialogar com o Rei Leônidas. No terceiro
quadro, o persa ameaça os espartanos, sem mesmo falar com o Rei. No quarto
quadro, dois espartanos conversam entre si e decidem chamar o Rei. No quinto, o
mensageiro persa caminha com Leônidas dentro da cidade, e o persa enaltece o
seu povo. No sexto, sétimo e oitavo quadros, Leônidas e o mensageiro ainda
conversam sobre a submissão de Esparta ao “Deus-rei” Xerses. No nono quadro,
Leônidas ameaça o persa com sua espada e, atrás do mensageiro, há um enorme
poço. Do quadro 10 ao 16, o recurso do timing
é novamente utilizado para detalhar a cena em
que Leônidas
chuta o mensageiro para dentro do poço. No último quadro, os espartanos também
empurram os soldados persas para o fundo do poço.
No cinema, neste ponto, há seqüências prolongadas e
inventadas. Nas cenas 1 e 3, numa paisagem nublada, surge, em câmera lenta, o
mensageiro, acompanhado de soldados persas, em seus cavalos. Eles cruzam uma região
montanhosa. Na cena 2, a câmera mostra as patas do
cavalo do mensageiro tocando o chão. Nas cenas 4, 5, 6 e 7, os cavalos persas
cavalgam em direção a Esparta e entram na cidade espartana. Nas cenas 8, 9 e 10, a câmera enquadra o
mensageiro sobre o seu cavalo, que pára em frente a dois espartanos. Nas cenas
11 e 12, há uma invenção exclusiva do roteiro cinematográfico. O mensageiro
persa retira, de uma bolsa, várias caveiras e as deixa em punho. Na cena 13, o
cavalo persa empina diante dos espartanos que estão no local.
Das cenas 14 a 25, também há momentos criados apenas para o longa-metragem. A cena
mostra Leônidas ensinando seu filho a lutar, quando recebe a notícia da chegada
do mensageiro persa. Na cena 26, o mensageiro caminha por Esparta, até se
encontrar com o Rei Leônidas e com a Rainha Gorgo. Das cenas 27 a 47, há a conversa entre o
mensageiro persa, Leônidas e Gorgo. Na cena 48, apenas Leônidas conversa com o
persa. Das cenas 49 a
74, Leônidas reflete e observa seu povo, após pedido de submissão do
mensageiro. Das cenas 75 a
92, Leônidas aponta sua espada ao mensageiro. Nestas cenas, atrás do mensageiro,
há um poço. Das cenas 93 a
96, Leônidas chuta o mensageiro espartano para dentro do poço. Das cenas 97 a 100, os soldados persas,
que escoltavam o mensageiro, também são lançados ao poço e, na última cena, a
câmera os acompanha na queda a escuridão do poço.
Segundo os autores estudados, a adaptação também
implica a adequação de parâmetros de tempo diferentes. Seger (2007) diz que o
adaptador terá de saber como ampliar o trabalho e fazer alterações na obra
original, caso contrário, não existirá a transposição.
A edição original da HQ Os 300 de
Esparta é diferente da versão veiculada no Brasil. A peça original é
dobrada ao meio, como uma revista norte-americana comum, mas realizada em
páginas duplas. A edição brasileira foi feita em widescreen. Portanto , a versão da HQ no Brasil é
a única que segue a proposta inicial dos grandes painéis, que lembram ângulos e
planos do cinema, como diz Eisner (2001) ao se referir sobre os planos geral,
médio e primeiro plano, características de linguagem de ambas as mídias. Outra
semelhança entre cinema e quadrinhos é o fato de as duas mídias estarem ligadas
a uma narrativa espaço- temporal apoiada à lógica das ações. Tanto no cinema
quanto na HQ, o corte revela sua importância. Cirne (2001) afirma que, no
cinema, o corte é mais uma questão estética, e, nos quadrinhos, diz respeito a uma
exigência semiótica, pois o leitor terá de entender os diversos signos ou
desenhos, que retratam elementos narrativos, dentro do quadro.
Cirne (2000) também aponta outra diferença entre as mídias, como o fato
de a imagem cinematográfica ser marcada por signos da concreção fotográfica e a
imagem das HQs trabalhar o grafismo, ser realista, fantástica ou caricatural. Em
um paralelo com o cinema, a HQ Os 300 de
Esparta encaixa-se em dois itens citados por Eisner (2001): a arte
seqüencial como instrução e como entretenimento. Ao mesmo tempo em que a HQ
torna-se, em alguns momentos do filme 300,
uma ferramenta de story board,
desenhos que instruem ou antecipam uma representação cinematográfica, o livro
também se torna diversão. Há seqüências, no filme, semelhantes às do livro,
como aquelas em que o Rei Leônidas, ainda garoto, enfrenta um lobo; quando
Leônidas empurra o mensageiro espartano para um poço; quando a tropa de
espartanos encontra outro exército comandado por Daxos; quando há referência ao
maremoto que mata os persas em suas embarcações; ou na a cena da queda dos
persas de um penhasco.
A arte seqüencial é empregada de maneira quase cinematográfica.
Wellington Srbek[16] comenta
que, ao iniciar-se na arte dos quadrinhos, Frank Miller “já usava elementos de
narrativa cinematográfica em suas obras”. Miller não usa muito o balão de
diálogos e deixa a narrativa contar a história. As cenas iniciais do livro, em
que espartanos marcham para a batalha contra os persas, só há o balão quadrado
referente à narração em off. Neste caso, existe
um plano-seqüência, em que a ação é dividida em quatro quadros “com os
personagens se ‘movimentando” (CIRNE, 2000, p.144).
No início do capítulo quatro, os primeiros oito quadros, que mostram a
guerra entre os espartanos e persas, os balões de diálogos quase não aparecem.
O balão só aparece no sexto e no oitavo quadro. Nos demais, o que aparece são balões quadrados, de narração em off.
Nos últimas instantes do livro, em que Leônidas e sua
trupe são mortos pelos persas, há treze cenas sem um balão sequer. Neste caso,
a narrativa visual conta a história por meio de planos-seqüência, dando
“movimento” à ação da batalha.
Para adaptar o visual de Os 300 de
Esparta, o diretor do filme 300,
Zack Snyder, utiliza a computação gráfica. Neste processo, o diretor trabalha
com fundos verdes e azuis, o que possibilitou a inserção de imagens e efeitos
visuais que se assemelham às ilustrações e às cores utilizadas na obra de Miller.
Nas primeiras cinco páginas, a imagem é escura e conta com paisagem aquarelada,
contrastante nos tons de cinza, preto e amarelo. Quando a cena não está no
plano geral, retratando paisagens, as cores dos quadros retratam a noite,
contrastante nos tons de vermelho, preto, cinza e bege. De dia, a cor principal
é o amarelo. Na chuva, há predomínio das cores azul e preto.
Quando o diretor buscou fazer a adaptação, ele escolheu o recurso da computação
gráfica para simular o visual do quadrinho no filme. A própria caracterização
dos personagens, por meio de maquiagens, e da violência – neste caso,
perfurações de lanças e espadas em soldados ou um espirro de sangue – aparece estilizada.
Se uma das peculiaridades da linguagem cinematográfica é o poder de
inserir narrativas fantásticas, a computação gráfica supre a necessidade dos filmes
de criar um visual de fantasia. Com este recurso, a imaginação de um autor pode
se tornar visível, e comercialmente viável no mercado cinematográfico. A
presença de Frank Miller na co-produção do filme 300 reforça a discussão de Seger (2007) sobre autores que também
esperam ver suas obras transformadas em filmes e, às vezes, escrevem com um
olho voltado para os personagens e outro para a estrutura do filme.
4.4.3 A retórica do discurso
A retórica a ser estudada neste capítulo diz respeito às duas técnicas da
linguagem dos quadrinhos, utilizadas por Frank Miller em Os 300 de Esparta: o timing
(Ver imagem 13) e o requadro (Ver imagem 12). O recurso do timing, prolongamento da cena por meio de diversos outros quadros,
no mesmo espaço de tempo, é utilizado 14 vezes na HQ, respectivamente nas
páginas 14, 15, 16, 17, 22, 38, 39, 40, 57, 63, 69, 77, 84 e 85. Tal recurso torna
a cena mais cinematográfica, pois concede “movimento” aos quadrinhos, devido ao
fator tempo.
Eisner (2001) afirma que a habilidade de expressar tempo é decisiva para
o sucesso de uma narrativa visual. Em todas as páginas, não há balões de
diálogos. Apenas em alguns quadros há balões retangulares, referentes à
narração em off. Os pequenos
quadros, que prolongam a cena, garantem a sensação de movimento à narrativa e
detalham o que acontece no ambiente da história. Além disso, exemplificam a
idéia de Srbek sobre uma das características de Frank Miller, que não utiliza balão
de diálogos, deixando a narrativa contar a história. Quando Leônidas empurra o
mensageiro persa em um poço, há uma seqüência de quatro quadros menores, que
detalham a queda do persa ao fundo do poço. Outro exemplo é a visita do
embaixador persa aos espartanos, cena já ambientada nos Portões de Fogo. No caminho, o embaixador persa vislumbra homens
mortos, com lanças enfiadas em suas bocas. O impacto do persa ao ver a cena é
contada por meio de seis pequenos quadros.
Na HQ, a ação é mais segmentada, como na cena em que Leônidas , ainda
jovem, encara, frente a frente, um lobo. O episódio, que poderia ser contado em
três quadros, é prolongado em nove, gerando grande detalhamento à cena. O timing é utilizado em story boards no cinema. O story board é uma representação gráfica
do roteiro de um filme, capaz de sugerir, ao diretor, tomadas, ângulos e
iluminação a serem filmados. Exemplo disso é a cena, já descrita neste
trabalho, em que Leônidas
encara um lobo, frente-a-frente (Ver imagem 3).
Outro recurso que Miller evita utilizar em sua obra é o requadro (Ver imagem
14). Em quase todos os quadrinhos do livro, com exceção das páginas iniciais de
cada capítulo, e de pequenos quadros que representam o timing, o autor não utiliza o traço para moldurar os quadros. Com
isso, faz com que sua história tenha visual ilimitado e ultrapasse a barreira
das páginas. O leitor tem a sensação de movimento e de grandeza, pois imagina,
muito além das páginas, o “cenário” ou a ambientação da história.
O timing e a ausência do requadro
são duas ferramentas que se aproximam do cinema pelo fato de proporcionar
ângulos e planos semelhantes aos das HQs. No cinema, há o ângulo normal, o plongée – em que a câmera mergulha ou
sobrevoa a cena – e o contra-plongée,
em que a câmera é posicionada embaixo das personagens. Neste último, o ângulo
tem como objetivo deixar o personagem mais poderoso, como se o espectador fosse
pequeno perto dele. Exemplo disso, na HQ e no filme 300, é a caracterização dos vilões, como Xerxes e seus soldados,
que transmitem a sensação de serem imbatíveis.
A história em
quadrinhos Os 300 de Esparta começa com a marcha dos
espartanos para o campo de batalha. Os soldados estão em ângulo levemente em contra-plonée. Através de balões retangulares,
que indicam, na história, uma narração em off,
Miller retrata o heroísmo e a bravura dos espartanos ao defender suas terras. (Ver
imagem 15)
Já o filme 300, em comparação
com a história em quadrinhos, começaria a partir da página 8 da edição de
Miller estudada nesta monografia. O longa-metragem apresenta, em algumas partes,
narrativa desordenada, e não segue a linha estabelecida pela história de Frank
Miller (1998). As primeiras páginas do livro, em que há uma marcha dos soldados
espartanos rumo à guerra, são mostradas na primeira meia hora do filme, ou aproximadamente
27 minutos Isso comprova a afirmação de Seger (2007), que diz que raramente um
filme começa da mesma forma que o livro. Além disso, os diálogos das primeiras
cenas, na HQ, são semelhantes às falas do filme. “Nós marchamos” (MILLER, 2006,
p.8). “Da estimada lacônia...” (MILLER, 2006, p.9). “...Da sagrada Esparta... (MILLER,
2006, p.9). “...Nós marchamos” (MILLER, 2006, p.9). “Terra e água. Você
encontrará bastante lá em baixo” (MILLER, 2006, p.20). “Louco. Você é um louco.
Nenhum homem... Persa ou grego... nenhum homem ameaça um mensageiro!” (MILLER,
2006, p.20). “Isso é blasfêmia! Isto é loucura!” (MILLER, 2006, p.20). “Isto é
Esparta” (MILLER, 2006, p.20). “Bravas palavras. Palavras espartanas. Sua tribo
é fascinante. Nossas culturas poderiam partilhar tanta coisa” (MILLER, 2006, p.57).
“Nós partilhamos nossa cultura com vocês a manhã toda” (MILLER, 2006, p.57).
O trecho descrito acima é um exemplo de que, em qualquer tipo de
adaptação, o “adaptador” deve saber o momento certo de iniciar uma obra a ser transposta
para outra mídia. Seger (2007) diz que a adaptação é um processo de transição
ou conversão de uma mídia para a outra e, por isso, adaptar implica adequação
de parâmetros e de linguagem.
Por serem diferentes, os quadrinhos e o cinema têm peculiaridades
lingüísticas e devem obedecer a determinada lógica de ritmo e tempo, para que a
narrativa adquira coerência. Entretanto, o tratamento da contextualização pode
influenciar comportamentos de personagens, mas não o andamento da história. O
adaptador pode “inverter determinados efeitos, propor outra forma de entender
certas passagens, alterar a hierarquia dos valores e redefinir o sentido da
experiência das personagens” (XAVIER, 2003, p.61-62).
Exemplo disso é o tratamento diferenciado, em relação ao cinema e à HQ,
aos personagens Leônidas e a sua mulher Gorgo. Assim como a HQ, o filme
valoriza a imagem do protagonista Leônidas, Rei de Esparta. Contudo, os
quadrinhos valorizam a garra e a valentia dos homens espartanos, por meio da
imagem de Leônidas. O diretor de 300, Zack Snyder (2007), preferiu
investir, paralelamente à história de Leônidas, em uma trama com a rainha
espartana Gorgo, que não existe na HQ. Gorgo ganha maior participação no filme
e é a responsável por tornar Leônidas uma figura menos machista. Na HQ, Gorgo
aparece somente na página 28, e participa, na história em quadrinhos, em sete
quadros. (Ver imagem 16)
Para o jornalista José Emilio Peixoto Gonçalves[17],
um dos pontos negativos do filme 300
é, justamente, a trama que envolve a esposa do Leônidas. Segundo José Emilio
Peixoto, “alguns conceitos históricos falam que Esparta não era uma sociedade
feminista, ao contrário da ação de Leônidas no filme 300, que, em determinado momento, pede permissão à mulher para jogar
o Persa dentro de um fosso”.
Na HQ, o episódio da busca de permissão, de Leônidas à esposa, não
existe, e o rei, em momento impulsivo, não hesita em empurrar o mensageiro
persa em um poço. Segundo José Emilio Peixoto Gonçalves, “Hollywood, às vezes, precisa
agradar gregos e troianos, ou persas e espartanos. Por isso, recorre a uma
história feminina nos filmes”.
O filme 300, nas salas de
cinema de todo o mundo, também iria atrair o público feminino. Por isso, há
necessidade de se criar a figura de uma mulher, capaz de ampliar a
identificação do público. A criação de uma imagem feminina, no filme 300, é classificada por Dwigth McDonald,
citado por Coelho (1980), como um produto masscult,
voltado ao consumo popular, na indústria cultural. Além da identificação dos
homens com Leônidas, as mulheres também se identificam com a imagem de Gorgo no
filme.
Srbek[18] reforça
a idéia de que dar destaque e de inserir a trama da rainha são atitudes puramente
hollywoodianas. “O filme tem um monte
de homem sem camisa e musculoso, tem essa atração pelo público feminino, então
é necessário, dentro da lógica do cinema norte-americano, ter uma figura
feminina forte para contrapor o personagem masculino”. Alterações e mudanças nas
adaptações para o cinema, pois, são bastante influenciadas pela indústria
cultural. Tais influências, voltadas à ampliação do consumo massificado, fazem
com que certas cenas sejam inventadas, no cinema, para satisfazer o consumidor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise da linguagem das histórias em quadrinhos, dos recursos
utilizados pelo cinema e da investigação específica de material empírico,
representada, aqui, pela HQ Os 300 de
Esparta (2006), de Frank Miller, e pelo filme 300, realizado por Zack Snyder em 2007, torna-se possível discutir
apontamentos sobre o processo de adaptação de uma obra de arte. No caso, a
transposição de uma história dos quadrinhos às telas do cinema.
Fazer uma adaptação cinematográfica implica dar nova roupagem e imagem à narrativa
escrita. O adaptador interpretará aquilo que leu no livro e “correrá atrás” de maneiras
cabíveis para transformar a imaginação do livro em uma realidade
cinematográfica. Fazer adaptações de histórias, como ressalta Linda Seger
(2007), exige escolhas que estruturem o processo de seleção do que é mais
importante a ser adaptado. A partir da análise, pudemos perceber, neste
sentido, que muitas alterações, na obra original, por parte dos adaptadores,
buscam, além de encaixar a história em nova linguagem e formato, a
possibilidade de adequar certos parâmetros ao comercialmente viável.
Quando a obra a ser adaptada é pequena, o responsável pela adaptação
possui a incumbência de ampliar e/ou inventar cenas capazes de se encaixar na
narrativa. No caso da adaptação de Os 300
de Esparta (2006) para o cinema, o que se viu foram inserções de cenas
inventadas pelo roteirista, uma vez que a obra contém apenas 95 páginas. No
filme, há cenas, como a queda de um rinoceronte e a presença de uma árvore
recheada de mortos, que não existem na HQ. As cenas podem ser interpretadas
como algo sensacional e grandioso, que representa selvageria, ferocidade, algo
estranho, mau e incompreensível. Outra cena que não existe na HQ é a do
relacionamento entre pai e filho, dois combatentes espartanos. A existência da
cena é mais um artifício emocional dramático, que encaixa o relacionamento
paterno na lógica do cinema hollywoodano:
a identificação de personagens entre pais e filhos voltadas à ampliação do
consumo massificado para satisfazer o espectador.
Uma determinada cena no livro pode não ser relevante no cinema, e, por
isso, ela é cortada. Na edição final do filme 300, não há o momento em que o corcunda Efialtes se suicida. No
livro, há um clima de exclusão pelo personagem e, por isso, Efialtes tenta se
matar. No filme, caso esta cena tenha sido transposta da maneira como está no
livro, a mesma passagem seria tratada de maneira rápida e sem valor moral. No
cinema, tal seqüência iria se tornar cansativa e não acrescentaria ritmo à
narrativa. O corte do suicídio de Efialte, no cinema, fez com que a
dramatização ficasse mais objetiva, o que fez a narrativa fluir melhor. Para
exemplificar, o diretor do filme 300,
Zack Snyder[19], diz
que não se deve modificar uma história, apenas, com fatos pré-estabelecidos,
mas cortar, acrescentar e exagerar a cena para maior dramaticidade.
O exagero dramático em certas cenas pode ser visto, no cinema, através da
câmera lenta. Se, nos quadrinhos, o timing
e o requadro garantem a sensação de movimento de uma ilustração, o cinema tenta
se aproximar da imagem parada com efeitos de câmera lenta. Em diversos momentos,
a lentidão da ação, provocada por efeitos de câmera, deixa a sensação de que o
filme seja uma imensa história em quadrinhos, que representa a imaginação do
leitor com movimentos sutis.
Por fim, é importante ressaltar que realizar qualquer tipo de adaptação
exige do diretor, ou do roteirista, interpretar a obra em muitas dimensões e
fazer com que o adaptador faça escolhas ou selecione o que for mais relevante
no material a ser adaptado. Adaptação também significa alterações, adequações
ou, até mesmo, modificações da obra original. Adaptar também implica a ampliação
da história e a invenção de cenas, sem modificar a idéia proposta pelo autor da
obra original.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Acesso em 03 abr. 2008.
Entrevistas
ENTREVISTA com José Emilio Peixoto Gonçalves. Entrevistador:
Ricardo Morgan. Belo Horizonte, 18 de out. 2007.
ENTREVISTA com Wellington Srbek. Entrevistador: Ricardo Morgan.
Belo Horizonte, 18 de out. 2007.
ANEXOS
Imagem 1 – Capa da HQ Os
300 de Esparta,
de Frank Miller (1998).
Fonte: MILLER, Frank. Os
300 de Esparta. São Paulo: Devir, 2006.
Imagem
2 – Cartaz do filme 300,
de Zack Snyder (2007).
Fonte: <http://wwws.br.warnerbros.com/300/downloads/posters/img_0.jpg>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem
3 – Cena do confronto entre o lobo e Leônidas.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 4 – Xerxes.
Imagem 4 – Xerxes.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 5 – Cena do penhasco.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 6 – Cena em que Leônidas joga o
mensageiro persa em um poço.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 7 – Espartanos prontos para a batalha.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 8 – Oráculo.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 9 – Leônidas.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 10 – Os Imortais.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 11 – Chegada do mensageiro persa a Esparta.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 12 – Soldados espartanos vêem o mar agitado
engolindo os persas.
Fonte: <http://www.solaceincinema.com/2006/10/04/300-comic-to-screen-comparison/>.
Acesso em 25 mai. 2008.
Imagem 13 – O recurso do timing.
Fonte: MILLER, Frank. Os
300 de Esparta. São Paulo: Devir, 2006
Imagem 14 – A ausência de bordas nos grandes quadros
(superior e inferior) tem o nome de requadro.
Fonte: MILLER, Frank. Os
300 de Esparta. São Paulo: Devir, 2006.
Imagem 15 – Marcha dos soldados espartanos em ângulo
levemente em contra-plonée.
Fonte: MILLER, Frank. Os
300 de Esparta. São Paulo: Devir, 2006.
Imagem 16 – participação da Rainha Gorgo na HQ.
Fonte: MILLER, Frank. Os
300 de Esparta. São Paulo: Devir, 2006.
[1]
Para chegar ao conceito de “estética”, buscamos aqui a definição de Wellington
Srbek, na obra Um mundo em quadrinhos
(1995), não como o segmento da filosofia que aborda as questões relativas ao
belo e à arte, mas em sentido mais próximo do original grego aesthésis. Trata-se das formas de
organização e experienciação dos componentes sensoriais, cognitivos e simbólicos,
em uma dada manifestação, cultura ou época.
[2] O
livro de McCloud explica todo o universo dos
quadrinhos – teorias, definições e exemplos – na própria linguagem dos
quadrinhos. Além de se auto-desenhar, o autor busca “conversar” com o leitor em
toda a obra, sempre por meio de ilustrações, desenhos e balões.
[3]
Segundo o site Artes Dois Pontos (www.artesdoispontos.com),
Eisner nasceu em 1917, em
Nova York , e é o responsável pela criação do termo “arte seqüencial”
e do personagem Spirit, uma das séries de maior sucesso e considerada
uma das mais importantes do mundo. O autor é considerado o “mestre” das HQs
devido a seu domínio do claro e escuro e à criação de narrativas instigantes,
de roteiros criativos e de personagens com virtudes e defeitos, que retratam um
pouco da alma humana nos quadrinhos.
[4] Segundo Srbek (2005), o desenhista norte-americano
Richard Outcault seria o responsável pela introdução dos balões nos quadrinhos.
[5]
Srbek (2005) entende “estilos” como os recursos técnicos e expressivos e as
constantes formas associadas a um autor, escola ou época.
[6] Timing é o prolongamento da cena, com o
mesmo tempo narrativo, por meio de mais quadros.
[7]
ECO, Umberto. Cine y literatura: la
estructura de la trama, em La definición del arte. Barcelona: Martinez
Roca, 1971, p. 194-200.
[8] Frank Miller nasceu no ano de 1957, em Olney, no
estado de Maryland, nos Estados Unidos. Considerado um dos mestres modernos dos
quadrinhos, quando criança começou a criar suas próprias histórias. Com 21
anos, o desenhista escreveu a primeira obra, baseada na série Além da Imaginação, para a revista de
Twilight Zone, da Key Comics, em 1978. Entre outros trabalhos, ao longo da
carreira destacam-se as capas das revistas DC
e Marvel Comics. A oportunidade de
crescer veio a convite da Marvel, que pediu ao jovem desenhista que criasse
capas e histórias. Os principais trabalhos de Miller são Cavaleiro das trevas, Batman:
ano um, Ronin, a saga Sin City e Os 300 de Esparta.
[9] “O formato diferenciado foi pensado para privilegiar os
desenhos, e é mais uma prova do apurado senso artístico de Miller, que fez
grandes painéis a cada página, como se a história fosse mostrada em widescreen,
alargando suas fronteiras” (FORLANI, 2007, disponível em www.omelete.com.br).
[10] Plano geral: a câmera capta uma paisagem
ou todo o acontecimento de uma cena ou o corpo inteiro de uma pessoa ou
personagem.
[11] Primeiro plano: a câmera enquadra, por
exemplo, o rosto de uma pessoa ou personagem.
[12] Plongée: ângulo em que a câmera realiza
um “mergulho” ou “sobrevoa” a cena.
[13] Contra-plongée: ângulo em que a câmera é
colocada embaixo da pessoa, ou da personagem, filmada.
[14] O diretor norte-americano Zack Snyder, nascido em Green Bay , nos Estados
Unidos, em 1966, começou sua carreira na televisão, onde trabalho com a
fotografia de comerciais para empresas como Audi, Budweiser, Jeep, Nike, Reebok.
Além disso, dirigia clipes musicais, entre os quais como estão trabalhos para o
cantor Morrissey. Sua passagem para o cinema aconteceu em 2004, quando dirigiu Madrugada dos Mortos, longa-metragem que
segue o estilo do clássico A volta dos
mortos vivos. Seu segundo filme foi, justamente, 300, de 2007, a
adaptação da novela gráfica Os 300 de
Esparta, de Frank Miller. Após o sucesso de público e de críticas, o
diretor tem projetos com outro desenhista famoso, Alan Moore, para adaptar o
clássico Watchman.
[15] “Fazer
suceder a uma seqüência outra seqüência que relata acontecimentos anteriores;
dir-se-á, então, que se ‘volta atrás’ (no tempo)”. (AUMONT; MARIE, 2003,
p.131).
[16] Entrevista
com Wellington Srbek, escritor e especialista em histórias em quadrinhos. Entrevistador :
Ricardo Morgan. Belo Horizonte, 18 de outubro de 2007.
[17] Entrevista
com José Emilio Peixoto Gonçalves, jornalista e especialista em quadrinhos. Entrevistador :
Ricardo Morgan. Belo Horizonte, 18 de outubro de 2007.
[18]
Entrevista com Wellington Srbek, escritor e especialista em histórias em quadrinhos. Entrevistador :
Ricardo Morgan. Belo Horizonte, 18 de outubro de 2007.
[19]
Entrevista com o diretor Zack Synder, disponível no material extra do DVD 300.