segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Doutor Sono

Inspirado em livro de mesmo nome do escritor Stephen King, lançado em 2013, o longa “Doutor Sono” é considerado a continuação do terror cult “O Iluminado” (1980), de Stanley Kubrick. Há muita reverência ao filme oitentista, mas, também, desequilíbrios de concepções entre as obras, os quais poderão frustrar os fãs do clássico.
 
Existem três situações em “Doutor Sono”: um grupo de ciganos/bruxos que possui um estranho poder sobrenatural que se alimenta da ‘energia’ das pessoas; uma garota com poderes telepáticos e Danny Torrance (interpretado pelo competente Ewan McGregor), o garotinho de “O Iluminado”, que vive atormentado pelos eventos ocorridos no mal assombrado Hotel Overlook. Há quase 40 anos, Danny e sua mãe sobreviveram a uma tentativa de homicídio por parte do pai, que havia sido possuído por espíritos malignos.

A dinâmica da história é a seguinte: os ciganos matam pessoas, a garota telepata sente as mortes e compartilha todas as informações com Danny, que também desenvolve uma telepatia/mediunidade. Os ciganos percebem que estão sendo ‘vigiados’ e vão atrás da garota que, por sua vez, pede a ajuda a Danny.

 
“Doutor Sono” parece dois filmes em um. Ao mesmo tempo em que é um trilher com toques sobrenaturais, também é um suspense contemplativo recheado de fan service de “O Iluminado”. O problema é que a junção disso tudo pode não agradar aos fãs do longa de Kubrick. O motivo? O simples fato de o sobrenatural não ser trabalhado da mesma forma como no clássico.
 
Os tais espíritos malignos do longa original são abstratos e existem, apenas, no imaginário dos personagens, o que gera uma pegada de terror psicológico. Em “Doutor Sono”, o sobrenatural é retratado de maneira inversa, é real para todos, o que faz os novos vilões (mal desenvolvidos, diga-se de passagem) destoarem das concepções vistas na produção de 1980. Com isso, o tal terror psicológico perde força, é pouco crível e não assusta como deveria.
 
Entretanto, “Doutor Sono” não é 100% decepcionante. Ainda que a interação de poderes sobrenaturais entre os protagonistas seja interessante e de não apressar as ações da trama, o filme é assertivo na contemplação ao clássico de Kubrick. Nesse quesito, o diretor e roteirista Mike Flanagan (“A Maldição da Residência Hill”) fez um trabalho eficiente. As referências são inúmeras, a começar pela fotografia (há semelhanças nas transições sobrepostas, nos movimentos e ângulos de câmera), pela trilha sonora de acordes graves prolongados, pelo ritmo cadenciado e pelas diversas cenas refeitas que se tornaram icônicas. A nostalgia é um fator contagiante, principalmente na meia hora final.
 
Somente homenagem não é suficiente. Faltou coesão no roteiro para que os eventos fluíssem com uma melhor sintonia. Por isso, “Doutor Sono” perdeu a chance de ser original. Há elementos que poderiam funcionar sem depender de conexões com “O Iluminado”. Ligações que valorizam mais a promoção ao invés da ampliação da narrativa. Infelizmente, o terceiro ato destrói tudo com soluções rasas e com pouco impacto. É uma pena que a desarmonia de ideias tenha desonrado o legado do cultuado clássico de 1980.
 
Doutor Sono (Doctor Sleep)
2019, EUA – 152 minutos
Terror/Suspense
Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan
Elenco: Ewan McGregor, Carl Lumbly, Emily Alyn Lind, Kyliegh Curran, Rebecca Ferguson, Alex Essoe, Bethany Anne Lind, Bruce Greenwood, Carel Struycken, Catherine Parker, Charles Green, Chelsea Talmadge, Cliff Curtis, David Michael-Smith, Esteban Cueto, Jacob Tremblay.
Cotação: * *
 

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