domingo, 8 de outubro de 2017

Blade Runner 2049

"Blade Runner - O Caçador de Andróides", de 1982, dirigido por Ridley Scott, marcou uma geração, tanto no conceito antropológico como cinematográfico. O curioso é que o filme foi fracasso de bilheteria (estreou na mesma semana de "E.T.", de Steven Spielberg) e obteve status de cult graças ao home vídeo, que aproximou o longa das pessoas e fez a obra ganhar a devida importância.
 
A produção de "Blade Runner" foi uma das mais conturbadas e repleta de intromissões de produtores. Isso, querendo ou não, também fez alavancar o interesse do público por causa de várias edições do filme que foram relançadas no decorrer dos anos.
A última delas foi em 2007, em que Scott lançou a versão 'The Final Cut', sugerindo que o protagonista Rick Deckard fosse um replicante.
 
Quando surgiu a notícia de um novo "Blade Runner", os fãs ficaram apreensivos, principalmente  por estar na moda a produção de reboots e refilmagens. Alterar a história original, baseada no romance "Andróides sonham com ovelhas?", de Phillip K. Dick, seria a mesma coisa que mexer em um vespeiro. A boa notícia é que o novo "Blade Runner" é, de fato, uma continuação e o mesmo não transgride em nada as riquezas temáticas do clássico, que seguem intactas.
 
Outra notícia que agradou ao público foi o fato de Ridley Scott, que dirigiu o original, não ser o diretor "Blade Runner 2049". Recentemente, ele decepcionou boa parte da crítica ao retomar o universo Alien que criou com "Prometheus" e "Alien Covenant". Aqui, o cineasta assina  como produtor executivo. E nada melhor que passar o bastão da direção para uma figura em  ascensão e com requisito para comandar a sequência do clássico: o canadense Denis Villeneuve, que fez os elogiados "A chegada" (2016),  "Sicário - Terra de Ninguém" (2015), "Os suspeitos" (2013), "O homem duplicado" (2013) e "Incêndios" (2010).
 
O estilo mais lento de Villeneuve em contar boas histórias foi o encaixe perfeito. O grande acerto foi, acima de tudo, capturar a essência do longa de 1982 com excelência. Daí em diante, tudo que foi feito seguia o 'padrão Blade Runner', como a atmosfera noir fria e sombria  ambientada em um futuro distópico. Assim também são os cenários, os figurinos, o tom contemplativo e toda a futurologia que obedece a concepção original. Alguns detalhes tecnológicos foram melhorados, o que significa uma evolução por se tratar do hiato de 35 anos após os eventos do clássico.
 
Assim como no antecessor, há um ritmo mais vagaroso, um protagonista introspectivo em busca de algo mais, uma trilha sonora semelhante (está mais para uma homenagem de Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch ao ótimo Vangelis, responsável pela trilha original) e um mote que prolonga a discussão feita em 1982, de o replicante ser mais humano (ou tentar ser mais humano) que o próprio ser humano. Claro, por se tratar de uma continuação, nota-se, também, uma evolução narrativa e a apresentação de novas características do bom roteiro de Hampton Fancher e Michael Green.

Aqui, a discussão sobre humanidade é mais abrangente e trabalhada de forma mais aguda, pouco importa se você é ou não humano para possuir ou compartilhar tal conceito. Observe a relevância da personagem da atriz Ana de Armas que interpreta Joi, um programa de computador criado com a intenção de proporcionar humanidade ao protagonista (qualquer semelhança com "Ela", de Spike Jonze, é pura coincidência). Tudo isso fará o espectador conectar as histórias de ambos os longas e refletir sobre o rumo dos acontecimentos, especialmente após o plot twist do segundo ato.
 
Falando sobre a narrativa, é difícil escrever uma sinopse de "Blade Runner 2049" sem contar spoilers, pois o que for escrito poderá impactar diretamente no entendimento ao clássico. Uma das únicas diferenças aqui é que a premissa foge da polêmica ideia de que Deckard seja um andróide. Se no anterior a narrativa se desenrola a partir do olhar de um ser humano, aqui o ponto de vista é de um replicante. Na trama, acompanhamos o oficial K (em ótima atuação de Ryan Gosling) que descobre um segredo que pode deixar toda a humanidade ameaçada.  Tal sigilo está ligado ao ex-agente Rick Deckard (em boa aparição de Harrison Ford), desaparecido há 30 anos.
 
O filme é um deleite visual. A edição com cortes sutis e a fotografia hipnótica de Roger Deakins, que valoriza o feixe de luz nos ambientes escuros, proporcionam tempo ao espectador para apreciar a plasticidade das cenas e visualizar todos os detalhes da mise en scene. Além disso, a cinematografia é tão minuciosa que se torna uma importante  ferramenta da narrativa para contar a história ao espectador mesmo quando o silêncio impera em determinadas sequências. Isso tudo contribui para a direção sensível de Villeneuve que faz um dos melhores trabalhos técnicos de 2017.
 
"Blade Runner 2049" não tem a pretensão de ser melhor que o clássico. O filme tem lá o sua singularidade, porém sofre com o desgaste do tema amplamente trabalhado nos últimos 30 anos e faz com que sua narrativa não seja tão impactante como no longa icônico de 1982. Isso, no entanto, não diminui a virtude da produção que imprime qualidade em todos os aspectos sem desrespeitar o legado do original.
 
Blade Runner 2049
2017 – EUA, 165 minutos
Ficção Científica
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Hampton Fancher e Michael Green
Elenco: Ryan Gosling, Harrison Ford, Ana de Armas, Dave Bautista, Jared Leto, Robin Wright, Barkhad Abdi, Carla Juri, David Dastmalchian, Edward James Olmos
Cotação: * * * *