segunda-feira, 1 de abril de 2019

Dumbo

“Dumbo” foi o desenho que mais assisti quando era criança. Sua fita de vídeo VHS de estojo amarelo foi a primeira que tive em minha coleção. Já tive o DVD e, hoje, possuo o blu-ray. Era viciado no filme e nem sei quantas vezes já o vi. Nessa fase de live-actions da Disney, fiquei animado com a possibilidade de ver sua versão com atores e cenários reais. No entanto, acho que me empolguei demais.
 
O “Dumbo”, animação clássica de 1941, era baseado no ponto de vista de um elefante. Havia um conceito lúdico e de fábula bem peculiar para a época. Inclusive, muitas coisas do roteiro naquele período abordavam situações pesadas que hoje são condenáveis, como o racismo e o bulliyng. É engraçado que os melhores desenhos de antigamente tinham um viés educativo que eram recheados de humor negro e quase ninguém questionava. Hoje, o conteúdo é amplamente filtrado e esse processo purifica, de maneira exagerada, a comicidade e também o viés educativo. O resultado disso é a produção de filmes mais bobos e com a pegada educativa frágil.
 
Como não seria legal adaptar 100% do que o desenho de 1941 transmitia, a versão nova foi readaptada e contextualizada. Com isso, a fábula foi substituída por um olhar mais realista e o ponto de vista da narrativa também sofreu alterações. Antes, tudo acontecia sob a ótica do elefantinho. Agora, a visão de mundo passou a ser dos seres humanos, o que fez de Dumbo um mero coadjuvante. Ok, essa proposta de ser mais realístico é bem vinda, porém é mal desenvolvida e seu potencial é desperdiçado em uma narrativa burlesca superficial.
 
A produção acertou no visual. É impecável o que vemos na tela. A direção de arte retrô, os belos figurinos de época e os efeitos visuais estão incríveis e convincentes. O Dumbo, então, dá vontade de entrar no filme e levá-lo para casa de tão bonitinho e real que ficou. Méritos para o diretor Tim Burton que sempre foi cuidadoso com a estética de seus trabalhos. Entretanto, não se pode dizer o mesmo em relação ao roteiro frágil do longa. O texto não se acerta. Todas as tramas e subtramas são rasas e essencialmente caricatas. Não se leva muito a sério, mas também não tem tanta graça. A contemplação circense funciona apenas no visual e falha ao entregar a magia característica do conto ao público.
 
De quem é a culpa, então? Há vários fatores que contribuem para um efeito dominó de problemas. Textualmente, o roteiro constrói mal determinadas cenas, personagens e diálogos. O texto meia-boca refletiu em uma edição ruim que, consequentemente, afetou o ritmo (que se acelerou na segunda metade) e a sensibilidade dramática que o diretor quis proporcionar ao longa. A carência dessa sensibilidade culminou em uma falha na construção da emoção e na falta de empatia para com os personagens que, por sua vez, foram representados por atuações abaixo da média. E olha que há um elenco de excelentes nomes, como Colin Farrell, Danny DeVito, Eva Green e Michael Keaton! Será que houve um problema na direção de elenco para essa galera toda não se destacar? Não descarto já que há uma garotinha protagonista (Nico Parker) tão inexpressiva no filme que dá até raiva de sua performance artificial e robótica.
 
Será que o roteiro era tão ruim assim ou a produção não soube adaptá-lo para as telonas? Pode acontecer de os produtores não adaptarem o texto de maneira assertiva ou pode ter havido diversas divergências criativas que culminaram em possíveis brigas internas (que muitas vezes não ficamos sabendo). Este último é comum de ocorrer, mas é difícil acreditar nessa hipótese quando se trata de um selo Disney com tanta grana envolvida no projeto.
 
A boa notícia é que a essência do desenho se manteve tanto na superação do elefantinho (a nostalgia e a emoção funcionam perfeitamente nesta situação) como na mensagem que o longa transmite. No fim das contas, “Dumbo” acaba sendo uma diversão ‘sessão da tarde’. Não é um desastre, mas também não é um espetáculo, é assistível, é ‘OK’. A impressão é que houve uma oportunidade perdida de fazer uma crítica mais inteligente nas contextualizações narrativas. O filme conseguiu ser diferente, de fato, mas não obteve a mesma proeza de decolar como fez o elefante.
 
Dumbo
2019, EUA – 112 min
Aventura
Direção: Tim Burton
Roteiro: Ehren Kruger, Harold Pearl, Helen Aberson
Elenco: Alan Arkin, Colin Farrell, Danny DeVito, Eva Green, Michael Keaton, Bernardo Santos, Bern Collaco, Deobia Oparei, Douglas Reith, Jo Osmond, Joseph Gatt, Kamil Lemieszewski, Nico Parker
Cotação: * * *