segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Coringa

Esqueça, ou melhor, tente esquecer os super-heróis, eles não existem em “Coringa”. Eu sei que será difícil não associar o protagonista e toda a ambientação do longa ao Batman, mas, mesmo assim, é importante deixar de lado o homem-morcego. O que você verá, aqui, são dramas que retratam a origem daquele que foi um cidadão comum e que se tornou um dos mais icônicos vilões das histórias em quadrinhos (da DC Comics).
 
É importante salientar que “Coringa” é uma releitura do personagem e não faz parte, pelo menos por enquanto, do ‘universo estendido’ da DC Comics no cinema. Segundo os produtores e diretor, é um filme isolado e que não haverá conexão com o atual (e futuro) cenário dos longas baseados nos personagens da editora. 
 
Inclusive, o roteiro do filme não é adaptado de nenhuma obra específica. Seu conteúdo é original e inspirado em inúmeros recortes e fontes, como algumas HQs (“A piada Mortal”, histórias assinadas por Frank Miller, entre outras) e determinados produtos cinematográficos, como “Clube da Luta”, “O Cavaleiro das Trevas” e filmes de Martin Scorsese, em especial “Taxi Driver”, sua maior e notável influência.
 
A narrativa nos mostra Arthur Fleck já adulto e tentando ganhar a vida com muita dificuldade. Além de conviver com problemas neurológicos por causa de seu passado e de contratempos que enfrenta no trabalho como palhaço, ele ainda tem a incumbência de cuidar sozinho da mãe doente.  Como diz o ditado ‘desgraça pouca é bobagem’, Fleck sofre bullying, preconceitos e descaso das autoridades o que faz aflorar, lentamente, a psicopatia que conhecemos.
 
“Coringa” é um estudo de personagem brilhante e perturbador! Sua subversão mostrada no filme tornou-se polêmica justamente pelo fato de associarem o vitimismo social ao protagonista, o que não deixa de ser uma meia verdade. Fleck sofre de todas as violências, físicas e, principalmente, psicológicas, causadas por seu passado de abusos e por desigualdades políticas e econômicas desencadeadas pelos interesses da sociedade elitista.
 
Fleck é ‘gente como a gente’ e isso gera uma estranha empatia. Nos identificamos com seu sofrimento, mas, ao mesmo tempo, sabemos o quão implacável e assustador ele se tornará no final das contas. O Coringa se torna um conceito, fruto de uma consequência. É o limbo que alimenta seu sentimento de vingança e anarquia dentro de uma ficção. A violência, inclusive, é inserida de maneira pontual na narrativa.
 
O longa é otimamente dirigido por Todd Phillips (“Cães de Guerra” e “Se Beber, Não Case!”). Seu trabalho se destaca por proporcionar um equilíbrio eficiente em relação a todos os aspectos do filme, seja visualmente (fotografia), sonoramente (trilha sonora), textualmente (roteiro e edição) e na direção de elenco. Além do ritmo cadenciado, o cineasta investe em uma estética fria, realista e com cores mais escuras, ora desbotadas ora acinzentadas (que ganha coloração em um terceiro ato espetacular) para retratar uma Gotham City com ares sombrios e com atmosfera sempre hostil. Phillips ainda harmoniza a imagem com uma trilha sonora visceral de acordes graves que valoriza a inquietude do personagem.
 
Falando em personagem, que atuação de Joaquin Phoenix! Sua interpretação nos faz sentir todo o peso dramático que Fleck carrega. A tal empatia, citada anteriormente, também se deve pelo desempenho de Phoenix. Ele nos faz acreditar que Fleck realmente existe. Sua magreza (que passa a sensação de ser frágil), sua expressão corporal, o jeito de seu caminhar e seu comportamento diante do transtorno neurológico, afeto pseudobulbar, que o faz rir de maneira descontrolada (para cada situação há uma risada diferente) são assustadoramente convincentes. Um trabalho impressionante digno de Oscar.
 
“Coringa” é um exercício de gênero diferente dentro do universo de super-heróis que estamos acostumados a ver. O filme poderia funcionar perfeitamente sem que houvesse conexões com Batman (há boas e inacreditáveis reviravoltas, diga-se de passagem). No entanto, que graça teria se não existisse o Coringa para antagonizar o homem-morcego?
 
Coringa (Joker)
2019, EUA – 122 minutos
Drama
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Bill Finger, Bob Kane, Jerry Robinson, Scott Silver, Todd Phillips
Elenco: Joaquin Phoenix, Frances Conroy, Robert De Niro, Zazie Beetz, Bill Camp, Brett Cullen, Bryan Callen, Dante Pereira-Olson, Douglas Hodge, Evan Rosado, Glenn Fleshler, Josh Pais, Marc Maron, Shea Whigham
Cotação: * * * * *


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